A Conselheira da Diáspora e astrobióloga, que foi recentemente convidada a fazer parte de uma missão espacial japonesa, fala sobre o seu percurso e carreira internacional na astrobiologia.
A importância do trabalho de Zita Martins foi reconhecida em 2015 pelo então Presidente da República e Presidente Honorário do Conselho da Diáspora Portuguesa, Cavaco Silva que a condecorou com a Ordem de Santiago da Espada. E foi desse trabalho “literalmente do outro mundo” que esteve a falar neste sábado no Jardim Botânico Tropical de Lisboa, durante a edição deste ano dos Encontros da Fundação Francisco Manuel dos Santos. E não esconde o entusiasmo por ter sido convidada a participar na missão espacial japonesa Hayabusa2.
O tema da conversa com os participantes nos Encontros era “Porquê os Meteoritos”. Porquê falar de meteoritos num evento em que se analisa o trabalho?
Primeiro porque é o meu trabalho e porque temos de pensar o futuro. Que trabalho vamos ter no futuro? Que trabalho vai ter a nossa juventude? E uma das carreiras de futuro é exatamente a área da astrobiologia e toda a área do espaço. Basta ver o investimento que o governo faz nas áreas do espaço. É fundamental pensar nessas coisas do espaço, na origem da vida. Para mim é uma área que me fascina imenso.
E a investigação espacial até ajuda a desenvolver equipamentos…
Nos Estados Unidos o equipamento dos bombeiros foi desenvolvido para as missões espaciais. Porque tanto os astronautas como os bombeiros precisam de equipamento que seja leve e que resista tanto ao frio como ao calor. Portanto toda a tecnologia que está a ser desenvolvida em missões espaciais pode ter aplicações em outras áreas.
A Zita Martins é considerada uma estrela da astrobiologia…
Não sou eu que o digo, são os outros.
Sim, mas então está na carreira certa: uma estrela na astrobiologia.
Acho que estou muito bem. Porque acho fundamental estar a fazer uma coisa que se ama, que se adora, em que se sente as borboletas no estômago. Tive sempre um grande fascínio pela química e pelo espaço. A inspiração do Carl Sagan. No meu caso isto é a minha carreira de sonho, juntar a química e aplicá-la ao espaço. Trabalhar em missões espaciais e, no fundo, tentar responder a grandes questões da ciência e da humanidade: como surgimos aqui? Será que existe vida em outras partes do nosso sistema solar? E ao mesmo tempo ajudar a humanidade no dia-a-dia. A ciência pode e deve contribuir para a qualidade de vida de todos.
A Zita já trabalhou em vários locais, incluindo na NASA. Tudo isso faz parte desse processo de evolução nos muitos anos em que esteve fora do país?
Estive quase 16 anos fora, faltam-me uns mesinhos. Fui primeiro terminar a minha licenciatura, sou ainda das antigas licenciaturas de cinco anos, aos Países Baixos, fiquei tão fascinada que fui tirar o meu doutoramento. Durante esse tempo estive como cientista convidada na NASA. A seguir aceitei um primeiro pós-doutoramento, curtinho, no Imperial College em Londres, depois ganhei o meu próprio dinheiro – um milhão de libras – e fiquei quase 11 anos a trabalhar no Imperial College, e portanto foram muitos anos, ainda passei uma temporada no sul de França. São vários países, várias vivências e aprende-se muito com isso.
Ou seja, a tal estrela. Também participou em programas da BBC…
A BBC e os meios de comunicação no Reino Unido tinham um problema: todos os apresentadores de televisão eram homens e houve um estudo de uma universidade que dizia não poder ser assim. A BBC fez um casting para chamar senhoras para apresentar programas de televisão a nível científico, concorreram mais de duas mil pessoas e selecionaram 60. Eu fui uma dessas 60 e depois tive formação na BBC a nível de rádio, televisão, como apresentar.
Tendo essa carreira internacional, o que a leva a regressar a Portugal?
Saí de Portugal no início de 2002 exatamente porque queria trazer a astrobiologia para cá. O meu sonho era ter formação nessa área, que não havia em Portugal, e portanto o que meti na cabeça foi: vou ter formação e um dia irei regressar e teremos o primeiro laboratório de astrobiologia. Mas para isso é necessário dar vários passos, ir para os melhores sítios de investigação e criar uma rede de contactos. Estes 16 anos fora de Portugal permitiram-me isso mesmo. Permitiram-me estar nas melhores instituições do mundo – NASA, Imperial College, que está entre os cinco melhores universidades de todo o mundo, estive em universidades em França – criei a minha rede de contactos, construí a minha carreira. Agora estou no Instituto Superior Técnico [onde se licenciou em Engenharia Química] e com um emprego fixo, professora associada. Não podia querer melhor. Realizou-se um sonho.
Mas as investigações continuam…
A minha investigação tem várias vertentes, tenho estudantes de doutoramento, vou ter alunos de mestrado, e estou envolvida em várias missões espaciais. Nesta semana acabei de ser convidada para mais uma missão espacial, a missão espacial japonesa, Hayabusa2. Vou fazer parte de uma das equipas que em 2020 vai ter acesso a amostras espaciais. Há seis equipas diferentes a analisar essas amostras. Novamente a bandeira portuguesa vai estar lá, é muitíssimo importante e raro, no resto da equipa não há mais nenhum português. É muito excitante. É ter acesso a um objeto extraterrestre.
Fala da astrobiologia com grande empolgamento. Como transmite essa excitação às pessoas quando há a ideia de que a ciência é muito fechada?
É algo que se aprende e se trabalha. O que nos costumam dizer é: pega na tua investigação, resume-a em poucas frases e tenta explicá-la à tua mãe, à tua avó, ao teu familiar que não é cientista. Depois vê se essa pessoa percebeu.
A Zita praticou ballet, fala russo, pratica aikido, fala com essa exuberância do seu trabalho. O que lhe falta fazer aos 39 anos?
Falta muita coisa a nível pessoal, profissional. Todos os dias estamos a construir, mal de mim se aos 39 anos achasse que isto já está tudo feito, acabou.
Mas já tem um bom currículo…
Tenho um currículo bom, isso eu sei, mas obviamente que a felicidade é isso mesmo, é ir construindo, contribuindo para a felicidade dos outros. Ninguém pode ser feliz isoladamente. Vamos separar as águas: a nível profissional há estas missões espaciais, na minha área trabalho a 10/20 anos, muitas pessoas reformam-se e não conseguem ver a missão a que se dedicaram. Isto continua sempre todos os dias. Tenho muita coisa que quero fazer. Há muitos sonhos para realizar.
E borboletas para sentir no estômago?
Sim. Costumo dizer que o trabalho dá-me borboletas no estômago, dá uma sensação de felicidade, de paixão pelo que faço. Nunca quis ter um emprego normal das nove às cinco. Quero algo que me realize, que me faça feliz, é claro que todos temos stress no trabalho, mas quero algo que me faça sentir apaixonada pelo que faço. Dá-me que pensar que missões futuras posso fazer. Penso sempre a muito longo prazo, muito muito longo prazo. E neste momento no posso contribuir ainda mais para levar o nome de Portugal mais longe.
Por Diário de Notícias, Setembro de 2018