João Noronha Lopes é vice-presidente global da McDonald’s, responsável pela estratégia ‘franchising’ e liderou a operação de venda de 80% do negócio na China – em entrevista à revista Exame.
João Noronha Lopes começou como advogado da McDonald’s Portugal e é hoje vice-presidente mundial da cadeia de restaurantes de comida rápida, e membro do Conselho da Diáspora desde 2013. Responsável pela área de franchising, liderou a operação de venda de 80% do negócio na China, numa operação de 1,7 mil milhões de euros — a maior de sempre no sector da restauração na região da Ásia e do Pacífico, e que criou o maior franchisado da cadeia de hambúrgueres.
Se em 2016 passou muito tempo na China, este ano as suas atenções estão viradas para onde? Divido-me um pouco entre Chicago e Lisboa. Nunca tenho dois dias iguais – tanto posso estar a reunir com o franchisado na China como com um banco de investimento em Londres ou a participar numa conferência telefónica com vários países a partir de Lisboa. Mas o mais provável é que esteja num avião, a ler o correio eletrónico. Não tenho uma rotina diária, passo muito tempo em contactos e viagens em diversos mercados.
Mas depois da operação chinesa, onde são esperados outros grandes negócios da McDonald’s? Ainda estamos a fechar a operação na China, dentro dos prazos previstos. E continuo a dar cumprimento ao plano de refranchising que a McDonald’s lançou, olhando para outras oportunidades de negócio, que, a seu devido tempo, serão comunicadas.
Como foram as negociações na China? O grande desafio do mercado chinês é, sem dúvida, a sua dimensão. Estamos a falar, entre China, Hong Kong e Taiwan, de 2600 restaurantes. É um mercado com um potencial de crescimento imenso. Era fundamental encontrar um parceiro chinês que tivesse relevância local e conhecimento do mercado, para fazer crescer o negócio, sobretudo nas cidades de pequena e média dimensão. Foi um processo longo, demorou bastantes meses. Foi um grande, grande desafio. É um mercado fundamental. A McDonald’s já lá está desde 1993 e era crucial encontrarmos um parceiro [a operação foi firmada com o Citic, um fundo de investimento detido pelo Estado chinês, e o norte-americano Carlyle] que partilhasse a mesma filosofia que nós, já que este parceiro vai estar connosco por 20 anos.
De que se trata o plano de refranchising? Estamos a falar de quatro mil restaurantes geridos diretamente pela McDonald’s e que vão passar a ser geridos por franchisados. O modelo da marca, que tem 60 anos, sempre foi assente no franchising, com a grande maioria dos nossos restaurantes, 85%, a serem operados por franchisados. A companhia dedica-se ao crescimento e à dinamização da marca; os franchisados ficam disponíveis para se dedicarem à operação dos restaurantes nas comunidades que conhecem bem. Conservamos apenas alguns restaurantes residuais, onde testamos produtos e damos formação. O que estamos a fazer agora é a acelerar o processo de refranchising, o maior na história da McDonald’s.
E como está a decorrer? Acima das expectativas. O objetivo era refranchisar quatro mil restaurantes até 2018, mas a meta sera atingida no final de 2017. Este é um plano fundamental para a empresa, não só pela sua dimensão, mas porque tem impacto direto no negócio e faz parte do processo de revitalização da McDonald’s.
Sendo o responsável pela área de franchising a nível mundial e estando o plano a correr acima das expectativas, o mérito é seu? Eu pude concretizar. Mas o mérito é da companhia e do presidente executivo [Steve Easterbrook, executivo inglês que assumiu a liderança da companhia em março de 2015], que pôs em marcha, há dois anos, um plano de reestruturação. A companhia deixou de estar organizada por áreas do mundo, mas sim por mercados com características comuns em termos de níveis de desenvolvimento. A organização na qual eu estava integrado, a Europa, deixou de existir. Agora, temos outras divisões. Numa, os Estados Unidos; noutra, os mercados internacionais líderes: França, Reino Unido, Alemanha, Canadá e Austrália; numa terceira, os mercados de crescimento rápido, como a China, a Coreia, Espanha, Itália ou a Rússia, e numa outra temos cerca de 85 países, Portugal incluído.
Quais os resultados alcançados até agora pelo plano de revitalização? O primeiro objetivo era simplificar e desburocratizar os processos de decisão e execução, tornando a estrutura mais eficiente. Foi um processo que, só até ao final de 2016, já gerou eficiências e poupanças em custos operacionais de cerca de 200 milhões de dólares [cerca de 176 milhões de euros]. O segundo, ao reunir os países em função dos seus graus de maturidade e do seu desenvolvimento, era facilitar a partilha e a troca de informações, numa envolvente que cresce a uma velocidade enorme. E o terceiro objetivo, claro, era sermos mais rápidos a chegar ao mercado.
O negócio tem crescido? Em 2016, as vendas comparáveis (entre restaurantes que estão abertos há mais de 12 meses e que, por isso, não incluem novas aberturas) cresceram 3,8%. E esta tendência manteve-se durante o primeiro trimestre de 2017, com uma subida de 4%.
O gigante McDonald’s não está, ao contrário dos receios dos últimos anos, a desacelerar? Estes crescimentos foram registados em todas as áreas do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Em 2016, na Europa, o Reino Unido também surpreendeu. E Portugal, por exemplo, registou os melhores resultados de sempre [um aumento de vendas de 10,8%, para 338 milhões de euros]. Estamos a crescer tanto nos mercados mais desenvolvidos como nos emergentes. E estamos a implementar uma estratégia para ir mais ao encontro das necessidades atuais dos nossos clientes.
E o que querem os consumidores atuais? Querem ter mais controlo, mais conveniência e maior personalização dos produtos e serviços. Para isso, temos de melhorar a experiência física nos restaurantes. Isso irá passar, por exemplo, pela introdução do serviço à mesa e pela continuação da aposta nos quiosques interativos: um cliente, quando chega, faz o pedido num quiosque e pode direcionar-se para uma mesa, onde será servido.
A aposta na tecnologia é crucial… Nos próximos anos vamos fazer o maior investimento em tecnologia na história da empresa, que irá alterar a forma como o consumidor vai interagir com a marca: irá passar a fazer os seus pedidos online ou através de uma aplicação como e onde quiser. Depois, poderá levantá-los num restaurante ou no drive, evitando filas e stresse. Essa é uma parte fundamental da estratégia digital e uma forma de mantermos a lealdade dos consumidores. Se tivermos mais elementos diferenciadores, para lá do BigMac ou do Happy Meal, teremos clientes mais leais. Outro ponto fundamental será a aposta nas entregas ao domicílio, um mercado em expansão a nível internacional. Já o fazemos em alguns países, como a China, onde este segmento de negócio cresceu oito vezes desde que foi lançado, em 2008. Estamos convencidos de que o negócio das entregas ao domicílio será uma parte fundamental do crescimento da empresa nos próximos anos.
Viveu e trabalhou em Paris e Genebra nos anos mais marcados pela crise. Agora, passa muito tempo em Chicago e noutras partes do mundo. Olhando para o antes e o depois da crise, qual a imagem de Portugal lá fora? Passámos, de facto, por um período muito difícil para as empresas e para os portugueses. Fui acompanhando esse processo, nomeadamente através do Conselho da Diáspora Portuguesa [associação que reúne dezenas de gestores portugueses espalhados pelo mundo e que procuram atrair, através das suas redes de contactos, investimentos estrangeiros para o país], de que faço parte. Os portugueses passaram lá para fora uma imagem de grande esforço e resiliência, deram uma grande lição de superação. Conseguiram ultrapassar desafios muito difíceis, e isso é reconhecido internacionalmente. As boas notícias recentes, sobretudo a saída do procedimento por défice excessivo, representam o reconhecimento do esforço dos portugueses e do trabalho desenvolvido tanto pelo Governo actual como pelo anterior. Agora não nos podemos tornar complacentes, temos de continuar este rumo que mantivemos até agora, que é de rigor.
Podemos ser otimistas, mas com contenção? Temos de ser realistas. Estes indicadores são, de facto, positivos: o produto interno bruto cresceu quase 3% no primeiro trimestre, temos uma diminuição da taxa de desemprego, as exportações aumentam, o turismo está a ter um crescimento enorme. Mas temos de continuar a trabalhar para resolver o problema da dívida.
E como? Temos de manter o rumo, incentivando o nosso crescimento económico, principalmente através da atração de investimento para Portugal. Temos de olhar para o lado da despesa sem pôr em causa o que são as despesas básicas do ponto de vista social que temos de fazer.
Mas como atraímos investimento estrangeiro? Iniciativas como a Web Summit sinalizam, lá para fora, a dinâmica extraordinária de startups que temos em Portugal e a nova geração de empresários que arrisca e aposta em novos negócios. No Conselho da Diáspora temos tentado realçar as vantagens competitivas que temos. E temos vantagens extraordinárias ao nível das infraestruturas, da qualidade do capital humano, da paz social. É isso que me faz estar otimista relativamente às perspetivas do presente. Se a isso aliarmos condições para o desenvolvimento de empresas no quadro fiscal que possam atrair investimento, melhoraremos ainda mais as condições para atrair empresas estrangeiras.
Por falar em capital humano, a operação portuguesa da McDonald’s é conhecida pela “exportação de talentos”. O João é um deles. Temos, de facto, portugueses presentes em lugares chave da organização: do franchising mundial à presidência da McDonald’s Espanha, da direção de marketing de uma divisão à responsabilidade pelas compras e logística na Europa, do design e construção à comunicação empresarial. Isso acontece por mérito próprio, pela ambição e pela disposição destes profissionais para abraçarem novos desafios. Mas há um dado interessante: na última reunião mundial de quadros superiores da McDonald’s, provenientes de todo o mundo, Portugal era o terceiro país mais representado, a seguir aos Estados Unidos e ao Reino Unido. Isto dá uma ideia da presença significativa de Portugal no grupo. E as boas notícias é que teremos mais portugueses a seguir esse caminho, pois a operação portuguesa continua a ter dos melhores desempenhos.
Mas o que faz a diferença? A criatividade dos portugueses? A nacionalidade, por si só, não representa uma mais- -valia. Mas há traços importantes. Vimos de um país com uma grande abertura de espírito, e isso dá-nos facilidade de adaptação quando vamos para um novo mercado: gostamos de escutar e perceber as pessoas, de compreender a vertente social que rodeia o negócio. Por outro lado, começámos por gerir com poucos recursos, comparados com colegas de outros países. Isso leva-nos a ser mais curiosos, mais empreendedores e flexíveis na abordagem aos problemas, o que é fundamental num mundo em constante e rápida mudança.
Começou no Direito. Não tem saudades? Nenhumas. Foi importante na minha formação e deu-me competências úteis, como a capacidade de negociação, que foi crucial, por exemplo, na China. Mas encontrei o meu caminho na Gestão.
Entrevista Exame, Agosto 2017.