Portugal tem evoluído em vários níveis da inovação na última década, mas o investimento em Investigação e Desenvolvimento está muito abaixo dos concorrentes europeus, explica o Director-Geral da Cotec.
Como está a inovação no tecido empresarial português?
Temos evoluído, se traçarmos uma linha no tempo na última década, de uma forma positiva. Fundamentalmente naquilo que são os factores de entrada, as máterias-primas da inovação. No capital humano; na disponibilidade do conhecimento, hoje o sistema científico e tecnológico tem evoluído substancialmente na capacidade de resposta, não é por acaso que temos atraído investimento de multinacionais para desenvolver I&D em Portugal, com investigadores portugueses. Também temos evoluído positivamente na produção científica internacional, em termos de redes internacionais. Também as empresas estão mais sensíveis nos processos de inovação. Onde é que ainda não estamos bem? Na prática, o que ainda nos falta é traduzir em benefícios económicos o investimento que fazemos em I&D, em conhecimento. Se nós assumirmos que a inovação é a aplicação de novo conhecimento ao desenvolvimento de produtos e serviços com sucesso comercial então as empresas ainda têm um longo caminho a percorrer. Quando se fala deste diálogo entre empresas e o sistema científico e tecnológico, o que falta? Por um lado, é importante que as empresas consigam definir bem quais são os problemas que precisam resolver para lhes dar resposta e estar nos mercados do futuro. Ao ter uma perspectiva de para onde é que vão os mercados, as necessidades dos consumidores, terei que ter novas respostas, que pressupõem resolver problemas e aplicar conhecimento. Por outro lado, preciso de ter do sistema científico e tecnológico capacidade de combinar múltiplas disciplinas para poder dar resposta a estes problemas.
Falta que as empresas percebam o benefício disso?
Falta que as empresas tenham uma perspectiva de futuro, que significa três, cinco anos. E com isso colocar a inovação nas suas estratégias de mercado. O que nós vemos é que as empresas estão fundamentalmente – através da compra de máquinas, automação, processos, consultoria – a investir em melhorar a sua posição competitiva no presente. E não é por acaso que as exportações estão a correr bem. Mas a competitividade de hoje não garante a competitividade de amanhã. Essa é garantida pelo conhecimento e pelo investimento em I&D que se faz hoje. E isso é um ponto crítico, tem havido um menor investimento em I&D nos últimos anos. As empresas portuguesas investem metade da média das empresas da UE, e três vezes menos que os líderes de inovação da Europa. O que significa que há um custo de oportunidade e há um risco para a nossa competitividade futura, a prazo.
Há uma diferença entre os resultados de quem aposta na inovação ‘inhouse’ e de quem procura parceiros?
Isso é absolutamente crucial. Nós temos uma maxima que é “todas as empresas podem ser inovadoras, independentemente da sua dimensão; mas nenhuma empresa pode inovar sozinha”. Hoje a complexidade dos problemas de mercado e da inovação tecnológica exige uma multiplicidade de competências mesmo que as grandes multinacionais não as têm dentro de casa. Ninguém consegue ser bom em tudo dada a natureza multidisciplinar que hoje um produto ou um serviço exige. Para poder dar uma resposta ao mercado, eu tenho de ter uma rede aberta – que está para além dos muros da empresa – onde vou buscar competências que não tenho para resolver problemas e dar respostas ao mercado. E aí, a rede de parceiros – quer outras empresas, quer geradores de conhecimento e de competências – é fundamental. Claro que pressupõe outra condição, que é ter uma cultura de colaboração. Não há inovação sem colaboração. É por isso que a Cotec tem com missão central promover as redes de inovação colaborativa e assume-se como o principal ponto de entrada nessas redes.
A chegada efectiva ao mercado é aquilo que distingue a inovação da invenção?
É preciso distinguir invenção de inovação. Posso produzir muitas ideias e nenhuma delas vir a ser útil para alguém. A inovação é convergente, eu pego numa ideia e ela tem que evoluir até que se transforme efectivamente num produto ou num serviço que alguém esteja disponível a pagar para obter os seus benefícios. Esse é o teste fundamental da inovação. Aquilo que é comum em todas as inovações com sucesso é a aceitação pelo mercado. Uma coisa é eu ter uma solução à procura de um problema, outra é um problema à procura de uma solução. Um problema à procura de uma solução é um inovação; uma solução à procura de um problema é outra coisa qualquer. Até pode dar resultado mas na grande maioria das vezes não, e nós vemos muitos projectos de ‘start-ups’ que são soluções à procura de problemas. A abordagem tem de ser ao contrário. O ponto de partida para a inovação tem de ser identificar um problema de mercado, a oportunidade é a outra face da moeda do problema.
Portugal tem campeões de invenções registadas mas isso não se traduz necessariamente em produtos com aceitação ou viabilidade…
Isso pode ser também uma questão cultural. Os processos de inovação são formais. Há um conjunto de etapas que formalmente são disciplinas rigorosas, que fazem reduzir o risco de inovação. A inovação é muito mais do que simplesmente um exercício intelectual de brilhantismo de inventar uma solução qualquer mas que não passa o teste de mercado, não encontra um problema, ou não é sustentável economicamente, ou não há forma de o produzir na escala necessária. Tudo isso são condições necessárias para que uma invenção se possa traduzir numa inovação de sucesso.
Por Negócios, Maio 2017