“A sociedade tem de vencer a corrida da requalificação entre pessoas e máquinas”. Jorge Portugal, director-geral da COTEC Portugal, explica o que está em causa no lançamento do programa Indústria 4.0 .
Com 60 medidas estratégicas, o plano de investimentos na indústria 4.0 traduz-se numa estratégia nacional para a digitalização da economia. O primeiro passo para esse objetivo foi dado no dia 30 de Janeiro de 2017, em Leiria, com a assinatura do protocolo de cooperação entre governo e COTEC. Jorge Portugal, director-geral da associação empresarial para a inovação, explica o que está em causa.
Em que medida é fundamental a digitalização das empresas portuguesas? A digitalização, no contexto da era da internet industrial das coisas, significa que os sistemas operacionais de qualquer negócio são geradores de grandes quantidades de dados (sensorização, transmissão e consolidação em cloud). O processo de extração de conhecimento destes “oceanos” de dados – só possível recorrendo a algoritmos de aprendizagem automáticos – permitirá às empresas explorar novos modelos de organização da produção e distribuição mais eficientes e gerar ofertas aos clientes mais individualizadas e, por isso, mais valorizadas. Para garantirem os benefícios que resultam da eficiência de escala, estes novos modelos exigirão avanços sem precedentes nos níveis de coordenação e integração nas cadeias de valor, facilitados por novos paradigmas digitais de gestão.
Traz vantagens mesmo para as empresas que não estão preparadas para a transformação digital? Para as empresas em geral, incluindo as menos preparadas, o programa Indústria 4.0 constitui uma oportunidade única de repensar os modelos de negócio, quer ao nível da qualidade e eficiência dos processos produtivos, quer em novas possibilidades de gerar valor para os clientes. Há por isso um sentido de urgência na mobilização de todas as empresas e outros agentes económicos. Ao apoiar a exploração as tecnologias digitais em ambiente empresarial – desde ferramentas de marketing digital e comércio eletrónico até modelos colaborativos entre trabalhadores humanos e autómatos – o programa i4.0 permitirá reduzir o esforço de investimento, de aprendizagem e riscos tecnológicos neste complexo processo de transição.
Mas há riscos a considerar. Os momentos de transição originados por cada revolução industrial foram sempre caracterizados por grande aceleração tecnológica e forte turbulência económica e social. Esta nova revolução – a que muitos chamam a 4ª revolução – não será exceção. Muito se tem escrito e debatido sobre riscos inevitáveis, como a obsolescência das competências e a eliminação de postos de trabalho ou as ciberameaças, que deste processo. No entanto, a nossa perspetiva é de que a natureza destes riscos é antecipável e, por isso, os seus efeitos podem ser mitigados com soluções que podem ser colocadas em prática desde já. Se a aplicação das tecnologias de automação inteligente é irreversível, é possível antecipar que funções apresentam maior potencial de eliminação e, ao mesmo tempo, que outro tipo de funções os trabalhadores estão aptos a desempenhar e assim conceber programas de formação e treino de forma preventiva. Este é um tema de grande urgência, já que para que a Indústria 4.0 alcance resultados positivos, a sociedade terá de vencer a corrida da requalificação, disputada entre pessoas e máquinas. Este desafio só poderá ser ultrapassado com a sensibilização e participação ativa, assim como com a responsabilidade das empresas para requalificar os trabalhadores, em conjunto com políticas públicas bem desenhadas de apoio ao esforço que irá ser exigido.
Qual será o papel da COTEC na implementação do programa? O papel principal da COTEC neste programa será o da coordenação e acompanhamento da implementação da Estratégia Nacional para a Digitalização da Economia – Programa Indústria 4.0, de forma integrada e articulada com os agentes políticos, económicos e sociais, contribuindo desta forma para identificar lacunas e oportunidades de melhoria. Teremos ainda a missão de maximizar os resultados das diferentes medidas e maior adaptação das empresas, trabalhadores e da economia. Pretendemos ainda acompanhar todos os desenvolvimentos nas plataformas europeias e internacionais, fazendo a coordenação da participação portuguesa nas mesmas, bem como promover as tecnologias made in Portugal e o potencial do nosso país como polo atrativo ao investimento em i4.0. A criação e partilha de um repositório de conhecimento em i4.0, fazem também parte das nossas responsabilidades. É um papel exigente e que nos responsabiliza, mas para o qual nos sentimos preparados para desempenhar.
Em que medida pode o Estado ajudar? Refletindo uma intenção política inequívoca, a Estratégia Nacional para a Digitalização da Economia é um instrumento essencial para estimular a transição para novos modelos de organização económica e assim contribuir para melhorar a competitividade das empresas numa perspetiva a prazo e, ao mesmo tempo, reduzir o impacto dos riscos mencionados, inevitáveis em processos complexos de mudança tecnológica, económica e social.
De que forma será feita a coordenação e fiscalização? Que instrumentos terá a COTEC ao seu dispor? A palavra-chave é articulação. A COTEC vê o processo de coordenação e acompanhamento como um instrumento de interligação e coerência entre múltiplas atividades e projetos que já ocorrem em redes distintas (clusters, associações setoriais, centros tecnológicos, universidades e consórcios), aos níveis regional, nacional e internacional, gerando assim um efeito multiplicador nos resultados, redução de redundâncias na utilização de recursos e disseminando mais rapidamente resultados e experiências. Vamos por isso ter muita disponibilidade para escutar as empresas, das quais destaco os nossos associados, as estruturas académicas, económicas e sociais, e valorizar as suas preocupações e contribuições para melhorar o Programa i4.0, cujas medidas já estão e irão agora para o terreno.
Que tipo de empresas se enquadra neste projeto? A Indústria 4.0 é uma estratégia nacional que cobre todos os setores de atividade e todos os tipos de empresa, independentemente da sua dimensão ou organização ou até grau de internacionalização. Se existe previsão que poderemos fazer com um forte grau de certeza é que o futuro vai ser mais digital. Todas as empresas que tenham intenção de explorar as novas possibilidades poderão beneficiar do apoio do Programa i4.0.
O programa será realmente capaz de captar investimento em projetos de inovação? Há metas definidas? Pela sua importância crítica na competitividade empresarial, temos fortes expectativas de que a digitalização possa atrair nos próximos anos níveis significativos de investimento em inovação, aumentando a capacitação das empresas portuguesas para incorporarem conceitos de negócio e tecnologias facilitadoras decorrentes dos processos de transformação digital. Por enquanto, não temos conhecimento de metas concretas.
Que efeito poderá ter na competitividade do país? A introdução atempada de conceitos e tecnologias i4.0 nos modelos de negócio será condição necessária para as empresas nacionais manterem e reforçarem posições de relevo nas respetivas cadeias de valor dentro e fora de Portugal. Por outro lado, o atraso poderá representar a prazo perda progressiva de negócio oriundo dos melhores clientes, aqueles que apostarão também nos mesmos conceitos e famílias de tecnologias e a incapacidade de concorrência na eficiência e no valor acrescentado. A aceleração da transição reforçará a qualificação do capital humano e a sua retenção em empresas nacionais.
Como se fará a ligação entre tecido empresarial português e estrangeiro? Entendemos que muitas das questões críticas da i4.0, como as áreas de financiamento da inovação, normalização e as cibersegurança, serão decididas no plano europeu e por isso pretendemos acompanhar de perto as tendências do mercado e decisões políticas mais relevantes ao nível das instâncias europeias. Nesta matéria tão crítica será necessário melhorar a coordenação da participação portuguesa nas plataformas europeias, sem esquecer a estratégia nacional para a especialização inteligente, com a possibilidade de articulação com algumas prioridades específicas decorrentes da estratégia i4.0. A relação que temos com as nossas congéneres no âmbito da COTEC Europa, será também uma ajuda relevante no posicionamento que pretendemos alcançar ao nível europeu.
Jorge Portugal é sócio-fundador e membro do Conselho da Diáspora Portuguesa desde 2012, veja o a sua biografia AQUI
Por DN, Janeiro 2017