Mohammed Dawood esteve em Lisboa onde participou na conferência organizada pelo Conselho da Diáspora Portuguesa sobre o tema ‘Financiamento ao abrigo da lei islâmica”. Veja a entrevista.
“Finança Islâmica desencoraja Operações Especulativas” – o gestor lembra que as regras da Sharia “podem em parte contribuir para tornar o sistema financeiro mais estável”.
Mohammed Dawood vai estar em Lisboa na segunda-feira, onde participa na conferência organizada pelo Conselho da Diáspora Portuguesa de dia 1, sobre o tema ‘Financiamento ao abrigo da lei islâmica (Sharia): SUKUKs. A propósito da sua vinda a Portugal, o responsável do HSBC respondeu, por escrito, a algumas questões colocadas pelo Diário Económico.
Que princípios fundamentais devem ser seguidos para que a actividade financeira respeite o que diz o Islão? O Sistema Financeiro Islâmico é consistente com os princípios da Lei Islâmica (Shariah), os quais regulam as transacções comerciais, incluindo a indústria bancária e a finança islâmica. O dinheiro é considerado um meio de troca e não uma ‘commodity’, pelo que é interdito cobrar juros sobre o dinheiro emprestado no âmbito de uma transacção comercial/financeira. O Islão não proíbe a actividade económica nem os ganhos financeiros. Os ganhos obtidos com as transacções financeiras devem, no entanto, ser o resultado do financiamento de actividades desenvolvidas na economia real, como o comércio, ‘equity’, construção, ‘leasing’, etc. Os bancos islâmicos são especialmente activos no financiamento às actividades comerciais e ao sector imobiliário, das infra-estruturas aos activos móveis. No que respeita à banca, existem diferenças-chave entre os princípios que regem a banca islâmica e a banca convencional. Como o dinheiro é um meio de troca, todos os mecanismos de crédito ou financiamento têm de estar ligados ao comércio ou à actividade económica subjacente. Daí que os bancos islâmicos usem os depósitos dos clientes como fundos para facilitar as actividades comerciais e de investimento. O retorno será partilhado com os clientes. O dinheiro ‘per se’ não pode ser objecto de transacções comerciais. Actualmente existem numerosos contratos financeiros islâmicos que podem ser usados como base para diferentes tipos de transacções bancárias, como a ‘Murabahah’ (venda), a ‘Mudarabah’ (partilha de ganhos e perdas) e a ‘Wakala’ (agência de investimento). Há certos tipos de actividades que não se coadunam com os princípios do sistema financeiro islâmico, como o comércio especulativo ou a compra de dívida sem que esta tenha subjacente a transferência de um activo real (as transacções de derivados convencionais estão sujeitas a estas restrições, uma vez que carecem de uma “finalidade material”).
Depois de tantos problemas no sector financeiro do mundo Ocidental nos últimos anos, há quem defenda que os princípios islâmicos, se aplicados, poderiam impedir alguns problemas. Concorda? Como? A questão que coloca está correcta até certo ponto. Os princípios da finança islâmica desencorajam a tomada excessiva de dívida, preferindo estruturas financeiras que permitem uma distribuição mais equitativa do risco/retorno. A extensão das hipotecas àqueles que não tinham capacidade financeira para pagar esses créditos foi um dos vários factores que conduziram à crise do ‘subprime’. Outros aspectos prendem-se com a criação de instrumentos financeiros de natureza particularmente especulativa e sem uma relação directa com a economia real. A finança islâmica desencoraja este género de operações especulativas e obedece a princípios que, apesar de a limitarem aos mercados do mundo islâmico, podem em parte contribuir para tornar o sistema financeiro mais estável e ajudar a reduzir esses elementos especulativos.
Estando para breve a sua vinda a Portugal, que imagem tem de Portugal e, em concreto, no nosso sistema bancário, recentemente marcado pela resolução de um banco, o BES? As minhas competências prendem-se com a finança islâmica. Não conheço o sistema bancário português, pelo que me parece mais correcto focar-me no mercado financeiro islâmico.
Vários têm sido os grupos bancários internacionais, como o HSBC, a apostar no Médio Oriente. Acredita haver espaço nesses mercados para bancos mais pequenos como os portugueses? Há décadas que o HSBC opera no Médio Oriente, mais concretamente desde 1959. Está presente nos seis países que integram o Conselho de Cooperação do Golfo, assim como noutros países da região, nomeadamente no Egipto. Estes mercados têm registado forte crescimento, em muitos casos sustentado pelos elevados excedentes orçamentais acumulados na última década – situação que se tem traduzido no aumento da construção de infra-estruturas. Paralelamente, também temos assistido à abertura dos mercados de capitais da região (dívida e capital), criando oportunidades para os nossos clientes angariarem capital nos mercados internacionais.
Por Diário Económico, Maria Ana Barroso, 28 Novembro 2014