No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Viviana Silva, Digital Program Manager Manufacturing na DSM-Firmenich e Conselheira do Núcleo Regional da Europa Ocidental foi entrevistada para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1- O QUE A LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
Deixar Portugal em 2011 foi uma das decisões mais desafiadoras e recompensadoras da minha vida. Jamais imaginei emigrar, especialmente logo após o nascimento do meu filho, pois sempre sonhei em vê-lo crescer em Portugal, próximo das nossas raízes. No entanto, decidi encarar essa mudança como uma oportunidade única de crescimento pessoal e profissional para mim e para o meu marido, ao entrarmos juntos na maior empresa química do mundo – a BASF. Com a certeza de que poderíamos proporcionar um ambiente seguro e enriquecedor para o nosso filho, embarcamos com coragem nessa nova etapa na Alemanha.
2- QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUESA?
Portugal está na moda, o que facilita iniciar conversas e fortalecer relações em reuniões. O interesse pelo país é tão elevado, que cheguei ao ponto de criar uma “checklist” (um toque de eficiência que reflete minha “germanização”) para enviar a colegas e amigos que me pediam dicas e recomendações para as suas férias em Portugal.
Ser portuguesa também me dá empatia e facilidade de construir relações e comunicar com paixão, atraindo interesse e patrocínio de executivos para os meus programas estratégicos. Essa habilidade de conectar-me com os outros tem sido uma grande vantagem em ambientes internacionais. No entanto, precisei de adaptar o estilo português de ser “simpática” e aprender a ser mais direta, pois em algumas culturas essa abordagem pode ser vista como fraqueza.
No geral, somos valorizados por nossa adaptabilidade e criatividade, qualidades que complementam a organização alemã e o espírito colaborativo dos neerlandeses, resultando numa abordagem equilibrada entre inovação e execução, muito apreciada nas empresas.
3- QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
Um dos maiores desafios foi a intensidade de viver diariamente em três línguas: português em casa e, fora dela, alternar constantemente entre duas línguas estrangeiras: o inglês, que domino, e o alemão, que ainda não falava. Foi algo para o qual não estava de todo preparada! E, somada a privação de sono com um filho pequeno, transformou o primeiro ano em um verdadeiro teste de resiliência. Superar esses obstáculos exigiu muita perseverança e uma forte rede de apoio, tanto pessoal quanto profissional.
Outro desafio cultural foi lidar com a perceção de ser uma “Rabenmutter” — termo alemão para mães que trabalham fora e, por isso, são vistas por alguns como menos dedicadas aos filhos. No entanto, com o tempo, fui também admirada pela minha capacidade de equilibrar a carreira com a maternidade, participando ativamente na vida do meu filho e provando que é possível ser uma profissional bem-sucedida e uma mãe presente.
4- O QUE MAIS ADMIRA NO PAIS EM QUE ESTÁ?
Os Países Baixos são um país moderno, que combina liberalismo, cosmopolitismo e uma rica cultura internacional com paisagens industriais e bucólicas. Admiro o pragmatismo e engenhosidade dos neerlandeses, refletidos na frase “Deus criou o mundo, mas os neerlandeses criaram os Países Baixos.” A capacidade de adaptação é evidente na transformação de áreas inundáveis em territórios produtivos, mostrando inovação e resiliência.
Essa tradição reflete-se também na agricultura: desde as mais de 400 variedades de tulipas (que podem ser visitadas nos jardins do Keukenhof) até à cenoura laranja, criada no século XVII em homenagem à Casa de Orange-Nassau, e o gado Dutch Belted para produção de leite e carne. A alta tecnologia de estufas destaca-se na sustentabilidade e alta produtividade agrícola, sendo uma referência mundial.
Os Países Baixos abrigam um rico património artístico, com museus como o Rijksmuseum e o Museu Van Gogh, onde obras de Rembrandt e Vermeer inspiram todos os anos. Além disso, os neerlandeses, assim como os portugueses, mostram criatividade no âmbito fiscal. Sabia que as casas estreitas ao longo dos canais de Amsterdão foram construídas para reduzir a tributação, baseada na largura da fachada?
A combinação de pragmatismo, arte e criatividade faz dos Países Baixos um país único e inspirador.
5- O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
Na DSM-Firmenich, identifico-me plenamente com a visão e missão da empresa: “Somos inovadores em nutrição, saúde e beleza. E trazemos progresso à vida.” O forte compromisso da empresa com a transformação digital e a sustentabilidade alinha-se perfeitamente com meus valores e experiência. Com objetivos ambiciosos de emissões líquidas zero, aprovados pela Science Based Targets initiative (SBTi), sinto orgulho em liderar o programa digital de Energia, que irá contribuir diretamente para essas metas ao reduzir emissões de gases de efeito estufa (GHG) em cerca de 100 fábricas ao redor do mundo.
6- QUE RECOMENDAÇOES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESARIOS E GESTORES?
Portugal deve continuar a priorizar a transformação digital e a sustentabilidade, investindo em infraestrutura e tecnologia verdes para aumentar a produtividade e eficiência em todos os setores. No campo da educação e formação, é crucial preparar a força de trabalho com competências digitais e verdes, especialmente nas áreas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), para atender às exigências de uma economia moderna. Portugal deve fortalecer a sua competitividade global, promovendo a colaboração entre a indústria, universidades e governo para estimular o crescimento e a inovação de forma integrada. Neste campo, poderia inspirar-se na iniciativa Brainport Eindhoven, que tornou a região num centro de inovação ao atrair empresas de alta tecnologia, investir em formação avançada e promover pesquisa e desenvolvimento.
7- EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
Nos Países Baixos, setores como o agroalimentar sustentável, a tecnologia agrícola e as energias renováveis são muito promissores para empresas portuguesas. Os Países Baixos implementaram políticas de incentivo à sustentabilidade, como o programa Green Deals, que fomenta práticas sustentáveis em parceria com o setor privado, e o Missiegedreven Innovatiebeleid, que apoia tecnologias verdes e soluções digitais. Portugal pode fornecer soluções inovadoras que complementam essa procura crescente nos Países Baixos por tecnologias de exploração responsável dos recursos marinhos e agricultura digital.
8- EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
Portugal, com a sua vasta costa marítima, oferece oportunidades únicas para investidores neerlandeses em aquacultura e a biotecnologia marinha. Além disso, áreas como agroturismo e agricultura biológica despertam também interesse, pois Portugal promove práticas sustentáveis que complementam as restrições ambientais dos Países Baixos. As florestas portuguesas oferecem oportunidades de gestão sustentável, compensação de carbono e investimentos diversificados no setor agroflorestal.
9- QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
Os Países Baixos oferecem incentivos fiscais que atraem investimentos estrangeiros e promovem inovação, como o Fiscal Unity Regime, que facilita a consolidação fiscal, e o Participation Exemption, que evita dupla tributação sobre dividendos. Incentivos como o Innovation Box (reduz tributação de I&D para 9%), Dutch R&D Tax Credit “WBSO” (deduções de custos salariais de I&D) e Energy Investment Allowance “EIA” (40% de deduções para investimentos em energia sustentável), fomentam inovação e investigação. O 30% ruling reduz impostos sobre o salário de estrangeiros, e uma rede de tratados fiscais evita a dupla tributação, atraindo profissionais qualificados. A digitalização dos serviços públicos com plataformas como o DigiD e a Câmara de Comércio (KvK) facilita o registo de pessoas e empresas, tornando o governo mais acessível. Portugal poderia aumentar sua atratividade ao adotar incentivos fiscais e digitalizar processos, fortalecendo a competitividade para talentos e investimentos.
10- PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Portugal está sempre no meu coração, mas, neste momento, estou focada em educar o meu filho nos Países Baixos e em continuar a minha trajetória profissional. No entanto, estou aberta à possibilidade de voltar no futuro, especialmente se surgir uma oportunidade de contribuir para áreas estratégicas como a transformação digital e a sustentabilidade em Portugal. O meu objetivo é aplicar a experiência internacional que adquiri para fortalecer o país e ajudar a transformar o seu imenso potencial em realidade.