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18 de Junho de 2024

Entrevista com Vítor Nogueira: “Em Portugal faz falta mais investimento nas pessoas”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão as oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1. O QUE O/A LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

Na verdade, a minha vida profissional já estava concentrada fora de Portugal. Tive a oportunidade de assumir responsabilidades em países tão diferentes e distantes como Marrocos, Argélia, Alemanha, Itália, Rússia, Turquia, etc. Ou seja, a minha que, a minha exposição e curiosidade, já estavam bem focadas fora do nosso país. Adicionalmente, a falta de perspetivas de crescimento de carreira e a elevada carga fiscal foram determinantes para a minha decisão. Sair de um grupo como a Sonae aos 25 anos para me arriscado; mas a certeza de um futuro melhor traduzia-se numa oportunidade única.

2. QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FATO DE ESTAR FORA DE PORTUGAL?

Desvantagens significativas nenhuma, salvo o facto de geograficamente Portugal ficar “longe” e muitas pessoas não saberem sequer onde. Vantagens, algumas, muito por mérito da boa reputação criada por muitos portugueses espalhados pelo mundo. Somos reconhecidos como muito trabalhadores, competentes, com boa capacidade de adaptação, consistentes e bastante inovadores naquilo que fazemos. Algumas pessoas, quando confrontadas com a riquíssima história do nosso país, ficam surpreendidas e curiosas, e isso tem levado a um crescente número de visitas de exoração do nosso país e das oportunidades que podem ser oferecidas. Este facto ajuda a nossa missão onde quer que estejamos.

3. QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

A distância para a família, sobretudo pais, irmãos, sobrinhos e amigos, foi por vezes desafio, requerendo muito equilíbrio emocional. No entanto, a minha esposa e os amigos que fizemos (poucos, mas bons) por onde passámos ajudaram bastante a colmatar as mencionadas saudades.

Na área profissional, o maior desafio foi, para mim, confirmar as nossas competências nas funções que nos são confiadas pelos grupos e equipas que servimos. Humildade, muito foco e dedicação ajudaram a transpor as eventuais linhas de incerteza que pudessem existir.

4. O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE SE ENCONTRA?

Para mim, Dubai hoje significa “casa”. Amo Portugal, gosto muito de Espanha, mas na atualidade, os Emirados são para mim o meu “porto seguro”. Acho esta região culturalmente riquíssima, recheada de ambição, liderada com visão, e sempre com novidades, não só relativamente ao passado e às suas tradições, mas sobretudo quanto ao futuro. A prévia presença de Portugal na região torna-se uma vantagem para nós, em muitas conversas.

Nos Emirados, um país com cerca de 10 milhões de habitantes onde cerca de 90% são expatriados, constrói-se hoje, com seriedade, o futuro, e diria que, olhando para o que se passa no mundo (viajo muito, pelo que a evolução se torna ainda mais evidente). Nesta região sentimos fazer parte desse futuro em permanente construção, onde a disrupção e a inovação são uma constante.

Também realçaria a segurança e o facto de vivermos num país e região tão diversa – com mais de 200 nacionalidades -, o que torna tudo mais sofisticado e culturalmente enriquecedor. Esta diversidade, e o facto de termos em todas as empresas e negócios equipas multiculturais, é algo que considero fantástico e uma oportunidade única e extremamente enriquecedora.

5. O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA/ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

A visão do nosso fundador e a forma ambiciosa como construiu o nosso grupo de negócios. Inovação contínua, foco no cliente, parcerias, detalhe na sofisticação e qualidade, investimento na educação e treino das equipas, para além do facto evidente de termos construído o maior grupo privado nos Emirados – à imagem da Sonae em Portugal e do trabalho visionário desenvolvido pelo falecido engenheiro Belmiro de Azevedo, que sempre admirei ao longo dos quase 22 anos em que servi o grupo.

Por outro lado, a atenção às pessoas e a cultura de empresa é sempre uma nota positiva. Damos muita atenção à integração das gerações mais jovens, criando oportunidades de crescimento acelerado para aqueles considerados de elevado potencial. Meritocracia é também um dos principais objetivos assim como a integração e formação de quadros dos Emirados.

Estou também envolvido com a Endeavor como “business mentor”, onde colaboro com startups de diversos países, ajudando a criar capacidades e oportunidades de crescimento de negócio de forma consistente e acelerada.

6. QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Na minha opinião, Portugal tem excelentes empresários e gestores de nível mundial. O que, por vezes, acho que faz falta é mais investimento nas pessoas e planos mais ambiciosos de expansão, de inovação e de sustentabilidade.

Por outro lado, a internacionalização das empresas portuguesas, salvo raras exceções, é feita muito lentamente, restrita a alguns países europeus, Brasil e países africanos de língua oficial portuguesa, quando, na minha opinião, existem muitas outras oportunidades no Médio Oriente e Ásia.

Sinto que existe interesse sobretudo no Médio Oriente, uma zona única com investimentos superiores a 3 triliões de dólares (USD) nos próximos 10-15 anos, onde o nível de oportunidades para empresas fortes, profissionais e que entreguem produtos e/ou serviços com qualidade é enorme, quer diretamente quer através de “joint ventures”.

Realçaria também o facto de Portugal ter empresas e setores bastante atrativos para investimento das empresas e fundos

7- EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

São muitas as oportunidades, e eu não me limitaria a qualquer setor de atividade. No entanto, diria que construção e subsetores associados, como banca e serviços financeiros, portos, turismo, imobiliário e retalho seriam hoje os principais “targets”. Empresas de consultadoria, de recursos humanos / recrutamento, universidades e saúde também têm hoje boas oportunidades de se associarem localmente. Os Emirados são a terceira maior economia do Médio Oriente e têm um PIB superior a 500 mil milhões de dólares, com um PIB per capita superior a 50 mil dólares (USD), com crescimentos sustentáveis onde indústria e serviços são hoje dominantes. A agricultura tem vindo a crescer e é um setor que se está a tornar relevante.

Entendo, no entanto, que mais do que concentrarem a atenção nos Emirados em específico, mais relevante será focarem-se na região, onde o volume de investimentos e níveis de crescimento económico são praticamente impares a nível global.

Para além do investimento e incentivos, esta é uma região onde mais de 60% da população tem menos de 35 anos, ou seja, o potencial que ainda está por se realizar é ainda relevante e converter-se-á mum crescimento sólido e consistente nos próximos anos.

O facto de termos uma comunidade portuguesa crescente nos Emirados Árabes Unidos, na Arábia Saudita, e na região em geral, podem funcionar corno uma oportunidade para as empresas portuguesas recrutarem alguns quadros que conhecem ambas as realidades e tenham condições para contribuir para uma rápida e adequada integração e execução de um plano de negócios para a região.

8- EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
É muito diversificado, no entanto, diria que telecomunicações, banca, turismo / hotelaria, portos, imobiliário e retalho podem ser os primeiros objetivos, sobretudo dos fundos soberanos.

9- QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

É fácil e rápido começar uma empresa: não há impostos sobre rendimentos pessoais o IVA é de 5% nos Emirados e IRC é extremamente competitivo, para além da possibilidade de isenção para pequenas empresas; quase todos os serviços do setor publico estão digitalizados… Considero que uma adequada carga fiscal em Portugal (começando por se tomar competitiva a nível europeu) e a facilidade para a instalação rápida de investidores são fatores críticos para atrair investimento e criar riqueza – algo crítico para crescimento mais rápido e sustentável.

Por outro lado, a segurança, a sofisticação tendo sempre a ambição de ter e fazer o melhor que existe no mundo (o objetivo mentalidade de querer ser o número um, sempre) e a qualidade dos investimentos são fatores diferenciados que atraem milionários e bilionários de todo o mundo, que hoje se mudam
com as suas famílias e empresas.

Adicionalmente, a presença de muitos dos melhores quadros no mundo em todos os setores é um exemplo da capacidade de atração e retenção de talento, para além de que a ambição transversal à região gera muita concorrência nesta batalha pelo melhor talento.

10- PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Sim, não sei quando, mas, em princípio, nos próximos quatro a oito anos. Talvez mantenha uma presença parcial nos EAU ou na região.

Portugal é o destino de sonho para o período após a reforma da vida corporativa. O clima, a beleza,o peixe, as pessoas e a família são fatores de decisão não só relevantes, mus incontornáveis.

Por outro lado, gostava de voltar continuar ativo, ajudar o nosso país e empresas a tornarem-se mais atrativos e a conseguirem uma internacionalização mais rápida e com maior sucesso. Também seria
de aproveitar toda a experiência relevante que existe na Diáspora para colaborar na formação dos nossos jovens, criando laços mais profundos e realistas entre a vida académica e o mundo corporativo.