Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que o levou a sair de Portugal?
Saí de Portugal com quinze anos. Tinha completado os meus estudos no colégio inglês que frequentava, e, nessa altura, não era possível continuar os estudos em inglês em Portugal. Tive, pois, de me mudar para Inglaterra para frequentar um colégio interno. Depois, antes de fazer o meu curso universitário, passei um ano a trabalhar num banco em Paris. O “gap year” é muito comum em Inglaterra, durante o qual estudantes trabalham e viajam durante o ano, entre o final do secundário e a entrada na faculdade – é uma ótima ideia, porque ajuda muito a amadurecer e ganhar experiência. Depois, tirei a minha licenciatura em Economia em Inglaterra, onde trabalhei em banca de investimento durante 7 anos, altura em que decidi candidatar-me um MBA nos Estados Unidos. Após terminar o mestrado, trabalhei dez anos em Nova Iorque, onde conheci a minha mulher e onde nasceu o meu primeiro filho. Voltei então para Londres, onde vivi mais um ciclo de uma década, e atualmente vivo em São Francisco, desde 2014.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
Confesso que ser português (eu tenho dupla nacionalidade) só me trouxe vantagens. Curiosidade, simpatia e admiração por Portugal e Portugueses. Sem o perceber na altura, recebi muito apoio nas empresas onde trabalhei e das pessoas que conheci, especialmente nos Estados Unidos. Tenho a certeza de que esse apoio e amizade teve também uma grande dose de admiração e respeito pelo esforço de um emigrante que vem de longe!
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
Os obstáculos que tive de superar pouco ou nada tiveram a ver com o fato de ser português, mas mais por estar longe de Portugal, que foi sempre onde me sentia mais em casa e onde vivia a minha família. Mudar de país, cidade e de ramo várias vezes, e fazê-lo longe da minha família, foi certamente um obstáculo. Para o superar, fiz sempre um grande esforço para voltar a Portugal o mais possível, manter contacto com amigos e acompanhar desenvolvimentos políticos e económicos. Obviamente, estando longe de Portugal, da família e dos meus conhecidos, tive de criar as minhas próprias oportunidades. Foi preciso aprender como lidar com uma cultura diferente, e percebi muito cedo que é preciso muito esforço, dedicação e uma enorme vontade para ter algum sucesso. Recebi muita ajuda pela qual estou muito agradecido, e hoje tento retribuir o mais possível. Durante este tempo, conheci bastantes portugueses radicados também em Inglaterra e nos Estados Unidos, mas na verdade não existiam grandes laços entre os portugueses fora de Portugal. Tive sempre a opinião de que o português “lá fora” muitas vezes prefere integrar-se o mais possível, esquecendo-se um pouco do Portugal donde saiu, muitas vezes forçado por falta de oportunidade mais do que por vontade. Comparo esta situação, por exemplo, com comunidades de italianos, franceses ou espanhóis que conheci, que se davam sempre muito com seus compatriotas (às vezes demasiado – nem aprendiam a falar inglês!). Felizmente, hoje os portugueses e portuguesas no estrangeiro têm muito sucesso, com posições cada vez mais importantes, são mais confiantes e orgulhosamente embaixadores de Portugal: os membros da diáspora espalhados pelo mundo fora são um excelente exemplo.
4- O que mais admira no país onde está?
Os Estados Unidos é um país ótimo para trabalhar. As leis e regulações em geral são claras, transparentes, respeitadas e são cumpridas. Há, portanto, um elevado nível de compliance igual para todos, e a maior parte das pessoas seguem essas regras voluntariamente. E fazem-no porque veem nisso o seu dever e não por recearem as consequências de não o fazerem. Obviamente que não acontece sempre, mas em geral existe um certo nível de fair play, de decência e de respeito pela comunidade (incluindo o Estado). Esse ambiente promove respeito, proteção e muita confiança, essencialmente para empreendedores e industriais.
Admiro muito também o grau de ambição a todos os níveis. O mais óbvio é a dimensão, mas a ambição é bastante mais profunda. Os americanos esforçam-se para dar o seu melhor e não veem grande drama quando as coisas não correm na perfeição. O empenho é o fator mais importante. Admiro também uma certa humildade que muitos dos que vivem fora dos Estados Unidos não conhecem. Essa humildade promove uma abertura a novas ideias, métodos, modelos de negócio e formas de viver.
5- O que mais admira na empresa ou organização onde está
A minha empresa é relativamente pequena. O que mais admiro é a nossa ambição e o empenho. Admiro muito também a enorme vontade que temos em tratar todos os colaboradores da melhor forma possível, tanto ao nível do respeito, como do salário e progressão de carreira. Fazemos um esforço enorme em termos de comunicação interna e em tomar decisões consensuais, o que aprecio muito.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Gostava de ver empreendedores portugueses a ter mais autoconfiança, mais ambição e a estarem preparados para assumir maiores riscos. Bem sei que tem de haver um clima empresarial e financeiro para dar o apoio necessário, sem o qual não será possível. Muitos empresários portugueses preferem ser “donos” dum negócio pequeno do que serem sócios de um negócio maior, mais ambicioso e com escala. Como dizem os americanos, cria mais valor ter uma fatia pequena dum bolo muito grande a crescer do que a maioria dum bolo pequeno que não tem grandes perspetivas. Sem ambição não é possível criar uma mentalidade empresarial que continua a ganhar motivação, mesmo quando as coisas não correm bem.
7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?
Felizmente, e com muito mérito, Portugal está nas bocas do mundo, e essa é uma oportunidade a não perder. Estou convencido de que há vontade e procura por produtos e serviços portugueses. Cada vez mais, o que é português é visto como algo de muita qualidade. Os meus amigos perguntam-me muito quais são as melhores marcas portuguesas. Infelizmente, muitas empresas portuguesas preferem um caminho mais “fácil”, com menos risco e menor esforço. Escolhem a via das “white label” para marcas internacionais. Essas marcas são reconhecidas mundialmente pela sua qualidade e design, mas poucos se apercebem do know-how português envolvido. A longo prazo, acaba por ser uma estratégia muito difícil de rentabilizar, porque depende essencialmente do fator preço. Não tenho dúvida nenhuma de que, por exemplo na área de consumo, Portugal tem condições ótimas para ter sucesso a nível global.
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?
Os americanos (a título individual ou empresarial) dão prioridade a oportunidades e projetos empreendedores com elevadas taxas de crescimento, e sobretudo escaláveis. No passado, em geral com poucas exceções, a dimensão do mercado português não tem satisfeito negócios americanos. O setor da hospitalidade começa a ter muito interesse, mais aí a dimensão é limitativa. Um mundo digital muda tudo. Uma das grandes vantagens da digitalização é que permite crescer e alcançar mercados muito além do nacional, com níveis de investimento muito inferiores. Projetos ambiciosos e diferenciados com esses objetivos, têm sempre interesse para investidores americanos.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?
Em teoria, a vantagem de um país pequeno é que em princípio deveria ser relativamente fácil fazer mudanças. Por exemplo, basta olhar para os esforços bem-sucedidos (e reconhecidos mundialmente) para combater o consumo de droga em Portugal. A vantagem competitiva “soft” do americano é ter determinação, ambição, imaginação e vontade. Estas qualidades começam a ser reconhecidas em Portugal. Infelizmente, muitas vezes e por muitas razões, para atingir metas ambiciosas profissionais e pessoais é preciso sair de Portugal. Os Portugueses têm muitos “role models” com sucesso a nível mundial: na música, arte, desporto, política, negócios. Basta ver o currículo dos membros que fazem parte da diáspora para se perceber que os portugueses “competem” a nível mundial em qualquer setor. Matéria-prima não falta! Mas em Portugal tem faltado apoio educacional, cultural, financeiro e institucional. Com algum empenho, estou convencido que os portugueses muito rapidamente podiam também desenvolver as vantagens competitivas “soft” dos americanos que referi antes.
10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?
Penso muitas vezes voltar a Portugal. Como já disse, é onde me sinto mais em casa. O que mais aprecio na vida é português: o clima, a cultura, a maneira de ser, as amizades, e.…o futebol. Infelizmente, há menos oportunidades profissionais, mas vejo cada vez mais uma geração mais nova, bem qualificada, cheia de talento e ambição, que se quer lançar no mundo, seja em que papel for. Têm visão internacional e estão perfeitamente ao corrente com as “best practices” que fazem cada vez mais parte do seu dia a dia. Noto também que existe orgulho em ser português e uma vontade em apoiar o país em geral, uma “social consicence”. Eu gostava muito de poder contribuir nesse esforço.
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