Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que o levou a sair de Portugal?
Faço parte da geração que saiu de Portugal no período da crise das dívidas soberanas na Europa. A minha saída, e a de muitos portugueses da minha geração, foi consequência da crise financeira internacional de 2008-09, despoletada nos EUA pela chamada crise do subprime. Nesse momento, a estrada adiante parecia difícil de percorrer. Observei um horizonte de contexto de recessão a nível macroeconómico, com reduzido crescimento económico no futuro próximo, e com retração tanto ao nível de consumo privado, motivado por um empobrecimento das famílias e do seu rendimento disponível, como também na ambição de crescimento a nível microeconómico, e da vida das empresas. Aqui observou-se uma conjugação de maior escrutínio no capex e investimentos e sobretudo uma aceleração da canalização destes investimentos para fora de Portugal. É aí que as empresas portuguesas tinham de procurar mercado, e é aí que o investimento se iria concentrar.
Se por um lado não queria fazer parte da futura geração “mil euros” que se avistava, confesso que sempre foi meu desejo ter uma vida internacional. Sempre quis viver a vida de outras culturas, conhecer o mundo e “aeroportos e hotéis”, pelo menos, numa fase da minha vida. Comecei a minha carreira em uma multinacional (Unilever) que me proporcionou isso mesmo; depois, mudei para uma empresa portuguesa (Sovena Group) e com uma área de atuação de mercado interno… mas queria mais.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
Começando pelas vantagens: ser português é ser descobridor. É ter alma de quem sabe que Portugal, como território, é pequeno, mas acreditando cada vez mais que a força da marca Portugal é maior do que a nossa dimensão histórica e territorial. Temos talento, ambição, vontade de trabalhar, e responsabilidade de ajudar o nosso país. Tentei sempre viver estes anos de expatriação lembrando sempre estes valores e atitudes.
Especificamente, e agora mais ligado à minha indústria, eu trabalho nos bens de grande consumo, e na categoria alimentar dos azeites e óleos alimentares. Portugal é um “player” mundial na área do azeite. Está estrategicamente colocado na bacia do mediterrâneo onde esta indústria nasceu, e no mercado de óleos alimentares é um pequeno mercado de consumo com tradição de bons alimentos fritos como os salgados, onde destaco o pastel de bacalhau e os saudosos rissóis de camarão, croquetes e pataniscas, presentes em qualquer balcão de um snack-bar. Ser português aqui é conhecer estas categorias e produtos alimentares.
Desvantagens: Ainda que respeitado, Portugal é um país pequeno e com reduzida tradição corporate e de gerar empresas globais e multinacionais. A nossa cultura é por vezes fechada sobre nós e temos a tendência a ler o mundo e outras culturas pela nossa realidade e experiências. Somos pequenos e falta-nos por vezes humildade e empatia.
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
O maior obstáculo é sempre a saudade do que deixamos para trás. Família, amigos, hábitos e estilo de vida de Portugal e de ser português. Atualmente, consegue-se colmatar esta saudade através de viagens mais frequentes, telemóveis e redes sociais. Complementarmente, também fiz sempre um grande esforço para manter-me a par do meu país, ler em português e seguir os principais podcasts de notícias e debates sobre política nacional.
Uma outra forma de continuar ligado ao país é dedicar tempo a fazer a ponte entre os Estados Unidos e Portugal. Sirvo como membro da comissão executiva da Câmara de Comércio Portugal-eua, desde 2015, e mais recentemente no Conselho da Diáspora. São formas de seguir ligado e de contribuir para o meu país de origem.
4- O que mais admira no país em que está?
Os Estados Unidos da América são um grande país. Trata-se da maior economia do mundo, com muito país para percorrer e explorar. Aqui há muita logística e longas cadeias de “supply chain”. O mercado tem cerca de 340 milhões de consumidores, e o rendimento disponível das famílias é maior do que no mercado europeu e asiático. Falando especificamente sobre a indústria alimentar onde trabalho, este é o maior mercado consumidor (cerca de 400 milhões de litros de azeite, anualmente) e não produtor de azeite do mundo (a produção que se faz na Califórnia não entra oficialmente para os grandes números dos maiores países produtores, por ser muito reduzida). Aqui há muito mercado para conquistar.
Junto ainda uma visão mais macro sobre esta nação. Os Estados Unidos da América são um ideal em construção há 250 anos, e que não está terminado. Este povo segue determinadamente agarrado aos valores da Liberdade, Justiça igual para todos, poder económico assente num dólar forte, e numa união à volta do sentimento de segurança nacional, expressa no respeito pela bandeira americana. É um país apaixonante.
5- O que mais admira na empresa em que está?
A Sovena Group é uma empresa familiar, inserida num grupo que opera há 100 anos em Portugal (Grupo CUF), e é líder mundial em volumes de azeite vendidos. Estamos, portanto, a falar de uma empresa portuguesa que teve a visão estratégica e ambição de se posicionar num setor de produtos alimentares – óleos vegetais e azeites – e cedo saiu de Portugal, o seu mercado interno, e alargou o seu mercado potencial de 10 milhões de consumidores para 8 biliões. Não existem muitas empresas em Portugal que possam apresentar-se como líderes mundiais numa categoria de produtos, como o segmento do azeite. Temos uma equipa extraordinária de pessoas que todos os dias contribuem para a construção desta história de sucesso. Temos uma liderança coesa e que aposta em crescer nos mercados internacionais e temos oportunidades de carreira internas, com o objetivo de levar esta categoria de produtos a mais e mais consumidores pelo mundo fora.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Correndo o risco de me repetir face a muitos outros gestores, políticos e pensadores, e de cair num lugar-comum, a minha reflexão, ou apelo, aqui vai no sentido de Portugal necessitar de um rumo estratégico e de uma estabilidade governativa e legislativa. Só num quadro de geração de confiança se permitirá aos empresários nacionais investirem no mercado interno, e sobretudo captar investimento de investidores externos. Portugal é um país com défice de capital na sua economia, pelo que terá sempre de se olhar como um país de atração de investimento estrangeiro.
7- Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?
Acredito que a marca Portugal está na moda aqui. Olhando a evolução da perceção dos americanos sobre o nosso país nestes últimos 15 anos, diria que hoje olham para Portugal como um país moderno, com boas condições de segurança e para se viver. Os americanos valorizam a nossa integração na Europa, e a nossa posição geográfica. O mercado americano tem lugar para os produtos alimentares portugueses. Aqui falo por experiência própria nas categorias de azeite, vinhos, congelados, entre outras. A indústria do turismo continua a valorizar Portugal como destino, seja em modalidade de “stop over” que já vai há uns anos, seja como local de destino como se sente hoje.
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde está querer investir?
Aqui saliento o agronegócio como setor-chave para se investir em Portugal. A terra ainda está barata, comparativamente, e temos excelentes condições de clima e de acesso à água (graças ao Alqueva, por exemplo). A mão de obra é também um fator a considerar, seja pela excelente formação dos quadros, seja pelo lado do custo hora/homem ainda ser fator de competitividade, quando comparado com EUA. Aqui a necessidade é de se fazer investimentos estratégicos, sustentados e que respeitem o ecossistema local.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?
Aqui poderíamos estender o discurso, pois consigo apontar várias, mas vou escolher as competências de liderança. Nos EUA, existe uma cultura de construção de equipas e de liderança, que formata o líder para estar menos ligado ao dia a dia do negócio e empresa, e para fazer o que lhe compete: liderar uma equipa de pessoas. O que parece óbvio, por vezes não o é. Em Portugal os líderes continuam muito enfocados em fazer, muito enfocados em “segurar o seu lugar”, em vez de fazerem crescer as equipas. Acredito que um líder existe para formar uma equipa de alta performance, onde cada um está ciente do seu papel, todos lutam pelo mesmo objetivo, até ao ponto de o líder não ser mais necessário nessa equipa.
10- Pensa voltar para Portugal? Porquê?
Sou casado e tenho duas filhas: uma de 5 anos e outra de 3 anos. Tanto a minha mulher como eu somos portugueses que vivem fora de Portugal há muitos anos. Acreditamos que nesta fase de formação das nossas filhas, estar em Nova Iorque e nos EUA, permite-lhes uma formação mais abrangente, um conjunto de estímulos de aceleração ao seu desenvolvimento, que provavelmente não teriam se estivéssemos em Portugal. Para já, estamos bem onde estamos. Sabemos também que um dia queremos que elas cresçam próximas da família, num ambiente de língua portuguesa e, portanto, o regresso é inevitável. Somos ambos expatriados e muito gratos pela experiência, mas como tudo o que é bom na vida, tem princípio, meio e fim.