Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que a levou a sair de Portugal?
Desde o início do curso de Organização e Gestão de Empresas no ISCTE, em 2003, que cresceu em mim o desejo de estudar e trabalhar em diferentes países e com pessoas de diferentes culturas e backgrounds. Em 2005, tive a oportunidade de estudar na Vrije Universiteit Amsterdam (programa Erasmus) e, a partir de 2010, passei a trabalhar apenas fora de Portugal, quando entrei na Greenwich Consulting (que mais tarde deu origem a EY Parthenon), uma empresa de consultoria estratégica sediada em Paris.
A partir daí, como Consultor de Estratégia e Gestão ou como Gestor de Topo, trabalhei e/ou vivi em mais de 20 países e em 4 continentes. Desde cedo me senti realizado e feliz, a resolver problemas novos, em sítios novos e com pessoas novas, o que me levou a viver sempre nesta dinâmica alucinante. Durante alguns anos, passei mais tempo dentro de um avião do que de férias. Desde 2016 que resido no Medio Oriente, primeiro nos Emirados Árabes Unidos e mais recentemente na Arabia Saudita.
A fraca projeção internacional das empresas portuguesas e a pouca multiculturalidade que existe nos seus quadros fizeram com que eu seguisse os meus objetivos fora do país.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
Ser Português foi uma vantagem nos mais de 4 anos que trabalhei e vivi em Angola, pois somos culturalmente muito próximos, temos a mesma língua e muitos dos problemas são semelhantes.
No entanto, a grande vantagem que tenho tido é sem dúvida o facto de ser um Cidadão Europeu, ter valores e educação oriunda do Continente Europeu. Ser cidadão Europeu (principalmente dos países Ocidentais da Europa) é uma grande vantagem profissional e pessoal, ao lidar com empresas e pessoas de diferentes nacionalidades em todo o mundo. Existe um ótimo acolhimento e admiração do mundo relativamente à Europa e ao que este continente representa.
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
A nível pessoal, é difícil estar tanto tempo longe da minha família e amigos mais próximos. Há mais de 15 anos que estou fora do país e, apesar de estarmos cada vez mais próximos digitalmente, a distância física é cada vez mais difícil. Sinto que perdi diversos momentos importantes de familiares e amigos próximos.
A nível profissional, trabalhar em mais de 20 países e com pessoas cultural e profissionalmente distintas foi, por diversas vezes, um desafio complicado mas ao mesmo tempo um dos fatores que mais me motiva e entusiasma. O nível de exigência nas diversas empresas de Consultoria Estratégica e de Gestão e Multinacionais de Telecomunicações por onde passei é muito elevado, assim como a concorrência interna para conseguir a desejada progressão de carreira. É essencial ter um enfoque enorme na qualidade e rapidez do trabalho a realizar, assim como no esforço e compromisso demonstrado. A cultura de meritocracia é justa e dura ao mesmo tempo.
4- O que mais admira no país onde está?
A Arabia Saudita, atualmente, é o país do mundo mais interessante para se estar. Claro que nem tudo é perfeito, mas as mudanças e a ambição do país são impressionantes – o que proporciona inúmeras oportunidades profissionais a pessoas com ambição, coragem e elevadas qualificações.
A Arabia Saudita tem uma visão de longo prazo relativamente ao desenvolvimento futuro do país e dos seus cidadãos e residentes. Esta visão de longo prazo, que envolve todos os sectores estratégicos privados e públicos, é traduzida em projetos e ações específicas, que têm um impacto visível imediato (em muitos casos).
É fenomenal poder observar e contribuir para esta transformação tão profunda que este país está a sofrer, quer a nível cultural, estrutural e profissional.
Esta ambição e transformação só é possível com uma visão estratégica e de longo prazo do país e com a contribuição de profissionais extremamente qualificados oriundos de todo o mundo. Atualmente, existe muito talento de topo em diversas áreas a trabalhar na Arabia Saudita, o que me permite poder conhecer novas pessoas e desenvolver novos conhecimentos com os melhores profissionais do mundo.
5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?
Comecei a trabalhar na Zain em 2018, enquanto consultor (pela Oliver Wyman), durante 2 anos. No final de 2020 (durante a pandemia), decidi aceitar o convite do CEO da empresa para o cargo de Chief Marketing Officer. Atualmente, tenho a responsabilidade de Chief Commercial Officer pois acumulei a responsabilidade de todos os canais de vendas e comunicação da empresa.
A Zain é uma empresa de telecomunicações com uma grande ambição, tal como a Arabia Saudita. A empresa iniciou as suas operações em 2008, mas apenas em 2018 obtivemos, pela primeira vez, um net profit positivo. A partir daí, todos os anos temos crescido o top line e mantivemos resultados líquidos positivos. Em 2023, apresentamos cerca de 2.6 mil milhões de USD de receita, a maior da história da empresa. Estou há 6 anos a trabalhar na Zain e adoro poder liderar a transformação digital e profissional desta empresa e poder contribuir para o desenvolvimento tecnológico do país.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Principalmente três coisas: Visão de Longo Prazo, Liderança Forte e Coragem.
Politica e economicamente, procuramos sempre o caminho mais rápido e de curto prazo, sem, muitas vezes, buscar um impacto sustentável e de longo prazo. Isto vê-se recorrentemente nas decisões políticas que mudam o rumo do país consoante a ideologia politica, em detrimento daquilo que melhor impacto tem para a economia e a vida das pessoas.
Existe ainda muito para melhorar na liderança das empresas e do país, nomeadamente na tomada de decisão estratégica, não caindo na tentação de escolher caminhos que facilmente agradam às pessoas, em vez do caminho que melhor impacto trará. É preciso ser factual, conhecedor e confiante na tomada de decisão.
Finalmente, os políticos e empresários portugueses precisam de ter coragem para aceitarem que o seu âmbito de atuação (mercado) é muito superior aos menos de 100 mil quilómetros quadrados de terra que temos. A globalização, que já era uma realidade há 30 anos, não vai parar de aumentar e é preciso assumir que a culpa não é do país ser pequeno, a culpa é de não termos a coragem de olhar para o mundo como o nosso mercado de atuação. A digitalização global facilita ainda mais este processo, por isso, vamos sair da nossa zona de conforto e vamos ser novamente “conquistadores”!
7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?
A grande vantagem da Arabia Saudita é a visão de longo prazo que apresentou ao mundo há anos atrás e em que explica claramente os sectores em que vai investir (biliões de euros) para dinamizar a sua economia e criar melhores condições de vida para os residentes no país.
Alguns exemplos dos sectores que mais visivelmente se estão a desenvolver no país são o turismo, construção civil, entretenimento e desporto, inovação e novas tecnologias, para além da energia que é a base da riqueza do país. Existem já diversos profissionais portugueses altamente qualificados e em cargos de grande responsabilidade de gestão nos sectores que mencionei. Mas existem ainda inúmeras oportunidades para empresários e empresas portuguesas com coragem para se internacionalizarem e investirem na Arabia Saudita, tal como o mundo já está a fazer.
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?
Para além da Arabia Saudita estar a abrir as suas portas para o mundo, os próprios empresários sauditas procuram também diversificar os seus investimentos nas economias onde tradicionalmente estão mais presentes tais como o Medio Oriente, Inglaterra, França ou EUA. Isto pode ser uma oportunidade única para Portugal conseguir captar algum deste investimento, principalmente, proveniente do Fundo Soberano da Arabia Saudita (PIF – Public Investment Fund) ou de grandes empresas sauditas ligadas a Telecomunicações, Energia, Construção, Imobiliário, entre outros.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?
A grande vantagem competitiva da Arabia Saudita que poderia ser replicada em Portugal é definitivamente a criação de uma estratégia de longo prazo (8 a 12 anos) de desenvolvimento económico e qualidade de vida dos habitantes em Portugal. É necessário deixar de parte a ideologia politica e construir uma visão comum estratégica de longo prazo para o país, enfocada em sectores que podem efetivamente trazer crescimento económico e estabilidade social.
10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?
Há quase 15 anos que vivo e trabalho fora de Portugal, mas o meu coração está sempre no país, principalmente pelos amigos e família que lá estão. Seguramente, que um dia voltarei, mas para já o meu plano é continuar a contribuir e fazer a diferença no desenvolvimento da Arabia Saudita e da região do Medio Oriente. Eu e a minha família estamos muito contentes a viver entre o Dubai e Riyadh e para já o nosso futuro é aqui.