19 de Março de 2025

Entrevista a Tiago Carvalho: “Precisamos de aliar a nossa agilidade a mais disciplina” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Tiago Carvalho, Diretor-Geral do Grupo L’Oréal para a divisão de produtos profissionais na Região SAPMENA (South Asia, Pacific, Middle East, North Africa), e Conselheiro do Núcleo Regional da Ásia foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1- O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

A curiosidade de explorar novas culturas, de expandir horizontes e a possibilidade de crescer profissionalmente foram as grandes motivações para, há pouco mais de 11 anos, atrás aceitar o desafio de sair de Portugal. Desde muito cedo, sempre tive a ambição de abraçar uma carreira internacional e o facto de trabalhar numa multinacional que estimula essas experiências foi um fator decisivo. Saí em meados de 2013, depois de 10 anos na L’Oréal Portugal, rumo ao México, onde fui convidado para assumir a Direção de Marketing para a América Latina. Foi o início de uma aventura de descobrimento que se renova todos os dias depois de 11 anos.

2- QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

Acho que todos os portugueses possuímos esse gene de explorador. Temos uma capacidade de adaptação fora do normal, uma enorme facilidade de entender e respeitar diferentes culturas. No meu caso, tive uma experiência de 10 anos na América Latina antes de chegar a Singapura.

Em países como o México e a Argentina, a presença portuguesa é pequena, mas sempre encarada de forma simpática. No Brasil, e em particular no Rio de Janeiro, Portugal está muito presente no dia a dia. Nas gerações que chegaram nos anos 50 e tomaram conta do comércio tradicional, na comida, na calçada. Já em Singapura, estamos muito distantes de Portugal. Geograficamente, culturalmente e economicamente.

 De uma forma geral, ser português no mundo faz sentir o tamanho relativamente pequeno do nosso país e da nossa economia, mas, também, o tamanho enorme da nossa cultura e da nossa forma de ser.

3- QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

Os grandes obstáculos são naturalmente culturais. Na forma de liderar, de motivar as pessoas, de mobilizar perante novos desafios e oportunidades. Para superar esses obstáculos, o primeiro a fazer é entender a identidade cultural do país a que estamos a chegar ou com o qual queremos fazer negócio. Encontrar os parceiros locais que nos ajudem a melhorar esse entendimento e a desbloquear as situações mais complexas é fundamental. Por vezes, são coisas extremamente simples. Lembro-me de que, quando estava no Brasil, o trigger para uma conversa que por vezes desbloqueava situações complexas era demonstrar um genuíno interesse sobre a vida pessoal das minhas equipas. No final, tudo se resume à experiência humana. Conectar com pessoas de diferentes culturas é, simultaneamente, o desafio e a chave para o superar.

4- O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

Em Singapura, admiro o planeamento estratégico, a tomada de decisão e a velocidade de execução. O tempo que medeia entre a tomada de decisão e a execução é extremamente curto. Isso é vital para o desenvolvimento do país. Singapura tem uma visão clara para o futuro a médio e longo prazo. A visão 2030 é amplamente comunicada ao nível da economia, da sustentabilidade, das infraestruturas. A qualidade dos líderes políticos é percebida como bastante elevada, o que dá uma forte credibilidade aos órgãos governamentais e os deixa tomar as decisões necessárias para levar o país adiante. O nível de segurança no país é também impressionante. É comum ver crianças de 8 anos sozinhas no metro a ir para a escola. Existe uma abordagem muito estruturada para proporcionar uma sociedade organizada, onde cada cidadão sente que pode contribuir, seja do ponto de vista económico, do ponto de vista social ou até no cuidado dos espaços comuns.

5- O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA/ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

A L’Oréal é uma empresa fascinante. Com uma história centenária, consegue ser simultaneamente ágil, inovadora, mas também perfecionista. Acreditamos que o que faz a empresa são as pessoas, pelo que o espírito empreendedor e sentido de dono está sempre presente. Privilegiamos o esforço, o contributo individual e a capacidade de colaboração ao processo. Admiro muito essa faceta pessoa versus processo.

Para além disso, temos marcas fantásticas que se conectam com os consumidores em todo o mundo e somos lideres destacados nos principais mercados mundiais.

6- QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

A Portugal e aos Portugueses recomendaria que acreditássemos todos no potencial do nosso país. Temos claros diferenciadores que se podem tornar em vantagens competitivas.

Em primeiro lugar, a nossa herança histórica e cultural que nos permite chegar com proximidade a diversas geografias: em África, nas Américas e até em alguns países asiáticos. Maximizar essa herança com a nossa capacidade de adaptação facilita a criação de negócios em diversas partes do mundo. Num mercado pequeno como o português, a expansão dos nossos produtos e serviços além-fronteiras é extremamente importante para um crescimento sustentável e em escala que permita criar riqueza e valor de volta para o nosso país. Em segundo lugar, devemos continuar a aproveitar a nossa posição geográfica privilegiada não só para atrair investimento para o turismo, mas também para fomentar a criação de emprego através de centros de serviços globais ou regionais que se possam implementar no nosso país. Devemos continuar a apostar no desenvolvimento do talento local, mas também atrair talento para desenvolver novos centros de competência.

Precisamos urgentemente de um melhor funcionamento do Poder Judiciário. Precisamos terminar com o “chico-espertismo”, com a burocracia em excesso e introduzir celeridade nos processos para que o ambiente empresarial seja mais saudável. Por fim, precisamos aliar a nossa agilidade a uma maior disciplina e organização; e isso começa nas escolas, na educação das gerações mais jovens.

Precisamos de ser mais metódicos, mais sistemáticos, mais organizados.

7- EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

Singapura tem um foco grande em atrair investimento em tecnologia, finanças, sustentabilidade, serviços de saúde e educação.

Qualquer empresa portuguesa que pretenda investir em Singapura vai encontrar um ambiente positivo para a criação de riqueza, acesso ao enorme mercado asiático, mas também um ambiente bastante competitivo.

8- EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Existe um interesse constante de empresas de Singapura, ou com base em Singapura, em investir em áreas de inovação e tecnologia e existe muito capital disponível à procura dos melhores investimentos. Sendo um país com muito poder aquisitivo para privados, family offices e fundos de investimento, o mercado de real estate em Portugal pode também ser muito atrativo.

9- QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

Singapura tem várias vantagens competitivas que poderiam ser replicadas em Portugal. Ao nível da localização estratégica, Singapura é uma porta de entrada para o Sudeste Asiático, China e Índia. Portugal pode-se posicionar como ponte entre a Europa, África e a América do Sul.

Ao nível do talento, Singapura posiciona-se como um centro de mão de obra extremamente qualificada, atraindo pessoas de todo o mundo. Portugal precisa rapidamente de aprender a reter o seu talento altamente qualificado, ou, pelo menos, de ter a capacidade de trazer de volta muitos daqueles que saíram.

Para ambos os casos, precisamos de políticas fiscais favoráveis, que ofereçam aos investidores e aos trabalhadores mais qualificados vantagens claras nos seus rendimentos e mais-valias. E fazê-lo sem complexos e sem infindáveis discussões políticas.

10- PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Apesar de estar fora há mais de uma década e ter vivido em 4 países diferentes, Portugal será sempre o país que chamo de casa. Faz parte da minha identidade e da minha família. Volto a Portugal todos os anos, pelo menos 2 vezes por ano, para visitar a minha família e os meus amigos e procuro sempre que os meus filhos entendam que esse é o seu país, a sua cultura.

No futuro, penso voltar a Portugal e espero fazê-lo num momento da minha vida onde ainda possa ter um contributo positivo, através das várias experiências que fui adquirindo em outros lugares.