1 de Novembro de 2024

Entrevista a Rui Miranda: “Confundimos humildade com ausência de autoestima”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que a levou a sair de Portugal?

A vontade de experimentar novos desafios e culturas, que me fizessem crescer. Conhecer e aprender de novas mentalidades, quer a nível profissional quer pessoal. Eu e a minha mulher sempre quisemos expandir os nossos horizontes e o dos nossos quatro filhos. A Watermelon produziu uma série de animação, “Nutri Ventures”, que se tornou na primeira série portuguesa vendida a canais de televisão americanos (“free to air” e cabo) e também à Netflix, Amazon e Hulu. Quando, em 2013, a série recebeu o endosso da Michelle Obama, e fomos convidados a desenvolver conteúdos educacionais para o sistema de educação público norte-americano, a oportunidade era demasiado boa, e não hesitamos.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Eu acho que ser português é uma enorme vantagem. Nascemos numa cultura de “hardwork”, flexibilidade, o brio de fazer bem, a afabilidade que nos aproxima do outro e constrói confiança são “skills” fantásticos. Outra vantagem enorme é o “desenrascanço” que, no meu entender, é a palavra portuguesa que melhor resume “usar a imaginação e confiar na intuição, para resolver problemas e imprevistos, e encontrar caminho!”. Como crescemos num mercado que, pela sua dimensão, dá-nos uma experiência generalista, quase como que “especialistas em um pouco de tudo”, isso faz-nos ter uma exposição e visão mais alargada das organizações e dos negócios – isto para mim é um fator muito positivo, principalmente quando comparado com o mercado norte-americano, onde reina a especialização.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

A indústria de cinema e televisão portuguesa cresceu muito nos últimos anos. Contudo, ainda hoje não há muitas referências portuguesas de séries ou filmes no mercado internacional, muito menos de animação. Isto foi um enorme obstáculo porque cria desconforto e incerteza nos potenciais clientes. Portanto, desbravar este caminho no mercado internacional foi o maior desafio que tive. Para o ultrapassar, tivemos de mostrar a nossa qualidade de trabalho e construir a reputação da empresa e das nossas produções. Percebemos que a estratégia passava por construir credibilidade e provar que as nossas séries eram melhores do que as da concorrência. Focamos na série com que estávamos a conseguir maior internacionalização, a “Nutri Ventures”, e conseguimos, com muita resiliência, o apoio da Michelle Obama e da Organização Mundial da Saúde (a série promovia a alimentação saudável). Além disso, fizemos um estudo da performance da série junto do seu “target” que veio demonstrar que, quando exibida na Disney em Espanha e no Brasil, fazia crescer as audiências em mais de 10%. Tudo isto combinado, fez com que a série “Nutri Ventures” fosse vendida para mais de 60 países no mundo.

4- O que mais admira no país onde está?
Muitas coisas. Nova Iorque ser a principal, senão a única, metrópole no mundo que procura construir, intencional e genuinamente, uma comunidade universal, faz com que seja uma sociedade aberta que respeita e aceita o outro e que quer criar oportunidades iguais para todos. Isto não quer dizer que é fácil e não há atritos, mas sim que há um ponto de partida fantástico para cada um ser o que quer.
Outro aspeto é a mentalidade onde tudo é possível; e para cada um. Isto gera uma cultura geral de positividade, suporte, encorajamento e desejo de construir, empreender e fazer crescer projetos. É um ambiente “arejado” e de constante procura da “the next big thing”, ou seja, de sonhar alto.
Isto está gravado nos americanos desde a declaração da independência, que considera inalienáveis o direito de cada um à liberdade e a procura da felicidade.

5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?

Ser um projeto e caminho de vida meu e do meu “grande sócio” Rodrigo Carvalho, onde a missão é produzir as histórias dos filmes, documentários e séries que nos sentimos chamados a contar ao mundo e, simultaneamente, inspirar e tocar as mentes e corações das pessoas. E, para o conseguir, temos de começar internamente pelas pessoas que trabalham connosco. Trabalhamos com a intenção sincera de ajudar e contribuir para que todos se auto conheçam e desenvolvam, descubram o seu propósito e sejam felizes. Dito assim, parece muito encaixado e organizado, mas, afinal, obriga-nos a viver no desconforto e aí tomar as decisões que nos impulsionem a ir mais além. E o resultado é séries e filmes com histórias e arte mais genuínas e envolventes.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

O mercado americano é enorme, superdinâmico, mas também supercompetitivo (costumo dizer que é a Champions League). Ou seja, requer coragem, persistência, garra e determinação (ganha quem acredita mais e por mais tempo). O que é preciso ter em conta, para a execução de qualquer plano, são dois aspetos importantes…

O primeiro é conectar e construir um “networking” que ajude a formar a reputação, que é fundamental. Uma vantagem grande é o apoio das comunidades portuguesas de expatriados ou lusodescendentes – são sempre um suporte muito positivo. Para chegar a qualquer lado (parceiro de negócio ou cliente) é preciso um processo de “namoro”, uma relação – os americanos têm uma cultura muito aberta, disponível, mas “you have to walk the talk”, isto é, tem de se estar presente, demonstrar o valor, compromisso, onde podemos ajudar e as capacidades, soluções e talento que trazemos.

O segundo aspeto é “don’t sell yourself short”. Nós, os portugueses, somos, de uma forma geral, humildes, e isso é uma qualidade tremenda. Mas também confundimos frequentemente humildade com ausência de autoestima – deixamos que o medo do que os outros vão pensar nos tire a iniciativa, a confiança e, acima de tudo, a audácia de mostrar o nosso valor e sonhos.

7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?

Todos! Não encontrei uma única indústria, mercado, ou área da sociedade onde não conheça um português que é um profissional de excelência, marca a sociedade, brilha nas artes e faz a diferença.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

Neste momento, Portugal está com uma projeção brutal nos EUA. Nos meus primeiros anos era raro encontrar alguém que sabia onde ficava Portugal. Agora, todos os americanos ou querem visitar, ou mudar-se para Portugal, ou conhecem quem já o tenha feito. Isto cria uma notoriedade geral muito positiva. Além disso, Portugal é um ótimo “test-market” para a Europa (pela dimensão, por ser tecnologicamente desenvolvido, etc.). Acho que estes fatores podem ser muito importantes para atrair investidores americanos para qualquer indústria, nomeadamente, tecnológicas, turismo sénior, residências e comunidades assistidas e saúde.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

A principal vantagem é a mentalidade – gostava de ver replicada a de não ter medo. Tentar e falhar faz parte e é um passo imprescindível para ter sucesso (mesmo quando já se atingiu sucesso). Talvez devêssemos premiar também as tentativas e o esforço, em vez de idolatrar apenas a parte visível do sucesso. Depois, adicionava ter ambição, sonhar alto, sem pudor. Estas características são, para mim, o motor do sucesso sustentado americano. Quando deixei o mundo corporativo em Portugal para me tornar empreendedor, perguntavam-me, frequentemente, “mas porquê? Não consegues arranjar emprego?”. Aqui nos EUA, quando digo que sou empreendedor a reação é “uau, que espetáculo, vais ficar milionário” – e, atenção, não estou a dizer que temos todos de ser empreendedores ou que o sucesso só se mede em milhões.

A outra, mas talvez seja pedir demais, é que nos tratássemos todos por “tu”…

10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?

Eu não considero que deixei Portugal. Eu expandi a zona onde vivo e trabalho. Venho muito frequentemente, pela família e trabalho, e falo de Portugal a todos. Aliás, estou a produzir o primeiro filme de animação CGI para cinema português, inspirado na lenda de amor de Viana do Castelo (terra da minha mulher que também fez de Viana o amor da minha vida). É uma espécie de Frozen, versão portuguesa, que conta com um elenco de celebridades de Hollywood. Como produtor de cinema e televisão, escolhi fazer este filme porque é uma história fantástica, que mostra a importância do amor como bem maior – tem imenso potencial comercial, sobretudo, porque dá a conhecer o bom coração do português (no filme, o coração de Viana) a todo o mundo. As fronteiras do mundo de hoje já não são as tradicionais físicas/territoriais, são as que os portugueses criarem e expandirem, dentro e fora de Portugal, em comunidade.