10 de Dezembro de 2024

Entrevista a Rui Coelho: “Modelo de gestão em Portugal pode evoluir significativamente”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

Em janeiro de 2005, uma coincidência levou a minha esposa e eu a estarmos no mesmo dia no aeroporto, partindo de Portugal, expatriados pelas nossas empresas para a Alemanha e França, respetivamente. A razão para essa mudança foi um projeto familiar em comum: explorar o mundo e impulsionar as nossas carreiras. Após um ano, conseguimos reunir-nos em Paris e, desde então, sempre seguimos juntos. Até agora, já passámos por seis países além de Portugal: França, Polónia, Brasil, EUA, Singapura e, atualmente, China.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser portuguesa?

Acredito que, acima de tudo, temos vantagens significativas, uma vez que Portugal é conhecido pela sua abertura a outras culturas e pela sua conexão histórica com diversos países ao redor do mundo. Além disso, num contexto atual repleto de desafios nas relações entre grandes potências económicas, Portugal é reconhecido como uma ponte entre nações. Embora seja um fenómeno relativamente recente, já se observa nas multinacionais que o talento português se destaca pela capacidade de adaptação e pela disposição para viajar e trabalhar em ambientes multiculturais. A “Marca Portugal” relacionada com o talento humano vem-se consolidando cada vez mais. Vale a pena ressaltar que a nossa curiosidade em relação a outras culturas, muitas vezes associada a um complexo de inferioridade – como se tudo no estrangeiro fosse melhor –, revela-se, na verdade, como uma vantagem. Essa curiosidade torna-nos mais recetivos a novas experiências, algo que é evidenciado pela notável capacidade de integração das nossas comunidades portuguesas nos países em que se encontram.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

Os obstáculos que enfrentamos estão principalmente relacionados com a experiência de viver fora de Portugal e com a necessidade de manter conexões com a família e amigos. Isso exige um esforço considerável, como festejar aniversários em chamadas de vídeo e planear férias com agendas detalhadas para maximizar o tempo com o maior número de pessoas possível em um curto espaço de tempo. Além disso, lidamos com o desafio de entender as culturas dos lugares onde vivemos e nos adaptarmos a elas. Esse processo de adaptação faz-nos crescer como indivíduos e é, como mencionado anteriormente, uma das principais razões pelas quais escolhemos esse estilo de vida, há mais de 20 anos.

4- O que mais admira no país onde está?

A minha experiência na China ainda é recente, pois cheguei há pouco mais de um ano, mas já consegui perceber a dinâmica dos negócios e a maneira como as coisas acontecem por aqui — a famosa “China Speed”! Aqui, passamos mais tempo a discutir como realizar tarefas do que a questionar porque é que elas não são viáveis. Uma frase que me marcou profundamente foi: “Na China, nada é fácil, mas tudo é possível”. Um exemplo dessa dinâmica é a rápida industrialização que o país vivenciou nos últimos 30 anos, levando-o a posições de liderança em diversas indústrias, como siderurgia e química, além de propiciar um crescimento económico impressionante. Em 1980, a China representava cerca de 2% da produção económica mundial; hoje, esse número gira em torno de 30%. Atualmente, estamos a testemunhar uma nova aceleração em setores mais inovadores, como a indústria de semicondutores, energias renováveis e veículos elétricos. Além disso, a digitalização da economia está em plena ascensão. Hoje, por exemplo, realizamos praticamente tudo pelo telemóvel, e cerca da metade dos carros em circulação em Xangai são elétricos. Aqueles que não visitaram a China nos últimos dez anos dificilmente reconhecerão o país!

5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?

Quando ingressei na Air Liquide, em 1999, o que mais me atraiu foi a oportunidade de aprender numa função inicial com foco técnico na área que estudei (Engenharia Química), com a possibilidade de, posteriormente, desenvolver a minha carreira na área de negócios que sempre me interessou. Além disso, a chance de conhecer novos países e culturas era um grande atrativo. O fato de ter exemplos de portugueses na mesma empresa que trilharam esse caminho com sucesso, antes de mim, também foi algo motivador. Hoje, mais de 25 anos depois, e após ter vivido em 7 países, posso afirmar que foi uma excelente escolha! A Air Liquide está presente em mais de 60 países e está estabelecida na China há mais de 30 anos. O crescimento da empresa nesse país é verdadeiramente notável. Atualmente, temos operações em mais de 40 cidades, cerca de 150 centros de produção e mais de 5.000 colaboradores — tudo isto em pouco mais de três décadas! Fazer parte dessa história e contribuir para o crescimento da empresa e de seus colaboradores é extremamente motivador!

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Atualmente, fala-se muito sobre como atrair as novas gerações a se estabilizarem em Portugal. Embora eu reconheça que, num mercado globalizado, o movimento de pessoas é natural, acredito que podemos implementar iniciativas que tornem as carreiras em Portugal mais atrativas. Destaco duas abordagens para este tema: primeiramente, o modelo de gestão nas empresas portuguesas ainda pode evoluir significativamente para adotar metodologias de desenvolvimento de carreira baseadas na meritocracia. A ausência dessa prática continua a ser um fator que leva muitos jovens a buscar oportunidades em outros países. Em segundo lugar, Portugal é um país recetivo a novas culturas, possui um nível de inglês acima da média e um sistema de ensino superior de qualidade, embora ainda não amplamente reconhecido internacionalmente. Uma ação específica para aumentar esse reconhecimento poderia envolver a atração de descendentes da diáspora. Um passo concreto seria criar um gabinete de apoio ao acesso ao ensino superior para estudantes que residem fora do país, proporcionando auxílio administrativo como a equivalência de currículos e outros processos. Embora os meus filhos ainda não tenham chegado a essa etapa, já ouvi várias histórias de membros da diáspora que enfrentaram dificuldades e falta de suporte nesse processo. Acredito que essa iniciativa poderia atrair muitos jovens portugueses nascidos fora para estudar em Portugal, fortalecendo a sua ligação com o país. Isso, por sua vez, reforçaria a “Marca Portugal” em termos de talento, o que beneficiaria o desenvolvimento do país. Um exemplo notável de atenção à qualidade da educação e à meritocracia que encontrei ao longo da minha carreira é Singapura, que, nas últimas décadas, alcançou um desenvolvimento extraordinário, mesmo com recursos limitados.

7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?

A China possui um mercado vasto e um potencial imenso. Acredito que os setores de bebidas, alimentação e turismo são os mais evidentes, aqueles em que as empresas portuguesas podem apresentar as suas propostas, e que, em alguns casos, já estão ativamente presentes no mercado. Neste verão, tive a oportunidade de conversar com vários amigos que viajaram de Xangai para Portugal. Eles ficaram fascinados com a nossa gastronomia e a hospitalidade do povo português. É evidente que o reconhecimento do nosso país e da nossa cultura está a crescer, tal como já ocorreu em outros destinos. Além disso, a China está a desenvolver-se rapidamente nos setores relacionados com a Transição Energética, como energias renováveis e veículos elétricos. Isso apresenta uma oportunidade significativa para empresas portuguesas que identificam esses segmentos como mercados-alvo.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

Acredito que Portugal, com uma matriz energética que valoriza as energias renováveis e um mercado promissor para tecnologias como veículos elétricos e hidrogênio produzido por eletrólise, está bem posicionado. A China lidera nesses domínios, e, embora o mercado português não seja um dos maiores da Europa, pode ser visto como uma porta de entrada para o continente. Atualmente, as empresas chinesas estão em uma fase de internacionalização e expansão, focando primeiramente no chamado “Sul Global”, mas também em direção à Europa, onde precisam de atrair talentos e estabelecer cooperações internacionais. Vejo isso como uma excelente oportunidade para promover o talento da “Marca Portugal” e para empresas que têm uma sólida compreensão dos mercados da África e da América do Sul.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

Acredito que a vantagem competitiva que mais me impressionou é a capacidade de realizar projetos de infraestrutura com uma competitividade e velocidade incomparáveis. Essa agilidade possibilita a realização de diversos outros desenvolvimentos. Um exemplo notável é o investimento massivo em energias renováveis, que permite a empresas como a Air Liquide reduzir significativamente as suas emissões. Além disso, ao abordar a questão da meritocracia, fiquei positivamente surpreendido com a preparação e o profissionalismo dos governos locais na China, que demonstram um profundo conhecimento das empresas e de suas necessidades. Acredito que continuar, e até acelerar, o processo de desburocratização e simplificação dos trâmites administrativos será extremamente benéfico para Portugal, aumentando sua capacidade de atrair investimentos.

10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?

Consideramos a possibilidade de voltar, assim como qualquer emigrante, embora não saibamos se isso ocorrerá durante a nossa vida profissional. No entanto, em um futuro mais próximo, gostaríamos que nossos filhos mantivessem uma conexão com Portugal. Nesse sentido, a realização do ensino superior em Portugal é uma opção viável e, quem sabe, isso poderá vir a tornar-se mais uma razão para regressarmos no futuro!