Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que o levou a sair de Portugal?
Quando decidi completar uma licenciatura em Relações Internacionais (Universidade do Minho), foi com a clara intenção e determinação de poder ter uma carreira verdadeiramente internacional. Sair de Portugal foi por opção e vocação e não por necessidade. A verdade é que a oportunidade para iniciar uma carreira internacional surgiu mais cedo do que eu esperava. Assumi, desde o meu primeiro emprego, funções de gestão e liderança nas áreas de energia, ambiente, alterações climáticas e outros temas relacionados com a sustentabilidade, integrando múltiplas redes e projetos internacionais, o que me deu de imediato alguma visibilidade profissional nessas áreas. Nesses anos, primeiro na ONG Euronatura e depois na Consultora Ecoprogresso, tive uma oportunidade “de ouro” de trabalhar lado a lado e aprender com alguns dos pioneiros e mais reputados especialistas na área das alterações climáticas em Portugal. Seguiu-se o convite para integrar uma task-force para apoiar as negociações internacionais de clima durante a presidência Portuguesa do Conselho Europeu de 2007. Esse trabalho foi a rampa de lançamento para a carreira internacional que se seguiu e no final da presidência, após COP13. Estávamos em fevereiro de 2008, antes do pico da crise financeira internacional. Nessa altura tinha apenas quatro anos de experiência profissional após concluir o Mestrado em Estudos Chineses – Negócios e Relações Internacionais (Universidade de Aveiro), quando chegou um convite para ir para Pequim, China, liderar projetos relacionados com alterações climáticas.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
Nunca senti qualquer desvantagem pelo facto de ser português na China. Aliás, a perceção da China e dos chineses em relação a Portugal é bastante favorável e melhorou nos anos pré-Covid, quando os Chineses de forma mais regular passaram a fazer turismo em Portugal e a conhecer melhor o nosso país, a nossa cultura, gastronomia e sociedade. Na China, sou mais vezes tratado como cidadão europeu do que como português, havendo aqui um forte sentido de identidade Europeia que é menos evidente quando estamos na Europa. O facto de o nosso país ser pequeno quando comparado com a escala chinesa e o facto de não haver muitos Portugueses residentes em Pequim, durante um período tão longo, tem sido uma vantagem que me tem permitido consolidar relações profissionais e pessoais no país. Já estava cá quando se celebraram os 30 anos das relações diplomáticas entre Portugal e a China. Este ano, celebram-se os 45 anos, ainda cá estou. Este legado e experiência tem sido útil nas minhas relações institucionais e na colaboração com a Embaixada em Pequim e com a AICEP, na Câmara de Comércio da EU ou como Conselheiro para as alterações climáticas de países como a Noruega ou o Reino Unido.
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
Nunca houve grandes obstáculos e a integração no país foi fácil e gradual. Diria que alguns dos desafios se prenderam, numa fase inicial, com a aprendizagem da língua chinesa. Apesar de ter apenas um nível de língua chinesa que eu chamo de “survival Chinese”, isso nunca me impediu de exercer as minhas funções profissionais com qualidade e ao mais alto nível. A forma de superar esse desafio foi recorrer ao use de interpretes e tradutores profissionais que trabalham comigo há muitos anos e nos quais deposito grande confiança. Falando de confiança, eu acho que esse é um dos fatores críticos de sucesso para se trabalhar na China. A confiança demora tempo a construir, mas uma vez consolidada é a base de tudo o resto.
4- O que mais admira no país onde está?
Na China, admiro a capacidade de executar rapidamente e o pragmatismo, a capacidade de testar, falhar, às vezes também rapidamente, e começar de novo se necessário. Mesmo no desenvolvimento de políticas públicas eles usam muito fases piloto para testar as medidas antes da implementação em larga escala. Um aspeto que facilita muito a vida na China tem a ver com os pagamentos e outras funcionalidades e operações a que podemos ter acesso através da “omnipresença” de Apps como o Wechat ou Alipay. Sem dúvida que estão a impactar positivamente e a melhorar de uma maneira geral o nosso dia a dia.
5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?
Na minha empresa, ICF, admiro a oportunidade de trabalhar em áreas que estão relacionadas com alguns dos maiores e mais complexos desafios atuais da humanidade, como sejam as alterações climáticas, a biodiversidade e a transição energética e justa. No meu trabalho diário, posso estar na linha da frente e deixar o meu pequeno contributo e ter impacto. Os progressos da China nestas matérias terão um impacto na capacidade de o resto do mundo atingir ou não os objetivos do acordo de Paris e os Sustainable Development Goals da ONU.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Os empresários e gestores em Portugal têm de conhecer verdadeiramente a China – o seu passado, presente e futuro – e não ler apenas os Headlines na comunicação social e redes sociais estrangeiras ou chinesas como apoio às suas tomadas de decisão. É muito importante o reality check para se poder aferir os verdadeiros riscos e oportunidades deste mercado. O contexto geopolítico atual é extremamente complexo e não é tão favorável como há 5-10 anos. No entanto, o mercado doméstico chinês continua a ser muito interessante para investir e vender, bem como para o desenvolvimento de parcerias estratégicas de cariz global com entidades chinesas para operar em Portugal, na UE e em países terceiros.
7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?
Haverá múltiplos, mas prefiro focar-me naqueles que estão próximos da minha área de atividade. Sectores relacionados com a descarbonização e transição energética, onde temos know-how e conhecimento avançado em Portugal, e muitas vezes excelentes ideias e produtos que podem ganhar escala, considerando a China como uma plataforma de scale up, tendo em vista o sucesso de empresas portuguesas nos mercados globais. Existe um bom alinhamento das metas de transição energética e neutralidade carbónica de Portugal e China. Estas oportunidades podem começar com a intensificação da interação entre Universidades, think-tanks e empresas de Portugal e China, para melhor aproveitamento e aplicação dos conhecimentos nelas gerado. São bases para relações de sucesso, assentes na economia do conhecimento, com a descarbonização e digitalização como alavancas. A China neste momento lidera ou tem uma posição dominante em tecnologias como a solar, eólica, veículos elétricos, baterias e comboios de alta velocidade. Importa analisar, para além dos apoios públicos que esses sectores efetivamente receberam em fases nascentes do negócio, aprender com erros do passado, e identificar se estas e outras tecnologias podem ou não contribuir positivamente não apenas para a descarbonização da China, mas para a descarbonização mundial mais rápida e mais custo-eficiente.
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?
Nos mesmos sectores mencionados acima. São áreas de oportunidades recíprocas e Portugal pode também beneficiar de know-how e de financiamento/ investimento direto chinês para a industrialização, inovação e criação de empregos e centros de competências de relevância internacional, contribuindo para modernização e diversificação da economia.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?
A UE está a implementar uma política de de-risking, mas essa estratégia deve, tanto quanto possível, ser “agnóstica” em relação a países, incluindo China. Portugal tem conseguido atingir algumas metas ao nível da descarbonização e transição energética que podem ser partilhadas e replicadas na China. O facto de China Three Gorges, China State Grid e outras empresas chinesas terem feito investimentos estratégicos em Portugal, é uma demonstração do reconhecimento da capacidade técnica que encontraram no país e também de Portugal como uma plataforma de entrada na Europa.
10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?
Penso voltar a Portugal, mas não significa com isso abandonar uma carreira internacional. Portugal, nos últimos anos, tornou-se um país atrativo e acolhedor para talento estrangeiro. Acredito que também pode ser igualmente atrativo para mim como base para a minha carreira internacional, e dessa forma poder contribuir com a minha experiência internacional para o desenvolvimento e aumento da competitividade do nosso país.