10 de Setembro de 2024

Entrevista com Norberto Videira: «Há que mudar o que prejudica, como a excessiva burocracia»

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1 – O que o levou a sair de Portugal?

Eu saí de Portugal pela primeira vez no início de 2003, para trabalhar na L’Óreal em Paris como diretor de marca para a região Europa. A razão principal da minha saída deveu-se à carreira clássica que os sénior managers do grupo L’Óreal fazem. O normal no grupo L’Óreal, onde trabalhei durante mais de 26 anos (comecei como estagiário de Marketing em 1995), é fazer uma carreira num país (como eu fiz em Portugal), até chegar a um posto de, por exemplo, diretor de marketing ou diretor comercial nesse país. Depois, antes de chegar a diretor-geral, o normal é ter uma experiência internacional, ou na sede do grupo em Paris (o meu caso), ou num mercado diferente e maior.

Desta forma, regressei a Portugal onde fui diretor geral da divisão de produtos profissionais, no início de 2006. Depois, tive vários cargos de direção-geral em vários negócios/países (Bélgica/Benelux, Espanha, França), o que me permitiu criar a experiência, currículo e conhecimentos que tenho hoje. Depois de ter sido diretor-geral em Espanha, durante seis anos, decidi que queria viver aqui em Madrid, onde ainda vivo, e deixar de mudar de país com a família a cada três ou quatro anos. Essa decisão de vida fez também que deixasse o grupo L’Óreal em 2021 para abraçar um outro projeto.

De facto, em 2021, juntei-me à GHD, empresa britânica sediada em Londres – detida pelo fundo de investimento americano KKR – líder mundial na área de beauty tech capilar, como diretor-geral EMEA (Europa, Médio Oriente, África), mas sempre residindo em Madrid e fazendo as minhas viagens à sede em Londres ou aos países dos quais sou responsável a partir de Madrid.

2 – Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Sinceramente, ser português, além de ser um grande orgulho pessoal, não me trouxe particulares vantagens nem desvantagens.

Talvez tenha tido a pequena vantagem do elemento surpresa, quando, em 2003, era diretor de marca para os cinco maiores países da Europa da L’Óreal – era dos poucos não franceses num posto desses.

Mas a verdade é que, num ambiente de uma multinacional como a L’Óreal, um profissional vale sempre e apenas por si; a nacionalidade não é propriamente um fator relevante.

Posso dizer que ser português me dá características que jogam a meu favor (outras nacionalidades terão outras, naturalmente), como a adaptabilidade, orientação à ação e a capacidade de descomplicar e simplificar os problemas.

3 – Que obstáculos teve que superar e como o fez?

Pela mesma razão, nunca senti nenhum obstáculo em particular ou relevante por ser português. O único que posso referir é que Portugal, pelo nosso tamanho certamente, no mundo do consumo e da cosmética/beleza, tem um contexto de retail simples (department stores/perfumarias, por exemplo) e também não temos o hábito de produções internacionais de media/publicidade. Mas este aparente obstáculo acaba também por ser uma vantagem, porque profissionalmente temos uma mente com menos a prioris, devido à experiência do que funciona ou não, e temos a vigilância e a mente aberta para aprender e tirar as nossas próprias conclusões de forma mais objetiva.

4- O que mais admira no país em que está?

Eu gosto muito de viver em Espanha e muito especialmente em Madrid. As cinco coisas que mais admiro aqui são: em primeiro lugar, a ausência de formalidades desnecessárias no mundo dos negócios (o Dr./Eng., muito português); em segundo lugar, o não ter medo de manifestar sempre a sua opinião, para cima ou para baixo na hierarquia e no seu ambiente ou não. Esta atitude potencia melhores discussões, maior riqueza de opiniões, mais pontos de vista e, no final, melhores decisões; em terceiro lugar, têm orgulho no seu país, região ou cidade, e isso vê-se na comida, no desporto, nos símbolos; em quarto lugar, a política aqui tem claramente uma vertente e uma discussão económica/fiscal, o que aliás é especialmente verdade e resiliência, de não desistir e de lutar por tudo o que acreditam e pretendem.

5 – O que mais admira na empresa/organização em que está?

Depois de uma carreira de mais de 26 anos no grupo L’Óreal, da qual muito me orgulho, tenho a sorte de trabalhar agora na ghd. Em muitos casos, pela natureza de uma empresa mais conservadora como pode ser a L’Óreal, uma empresa detida por um fundo de investimento como a KKR tem uma abordagem aos negócios diferente, o que me dá uma aprendizagem muito complementar da gestão – que é muito rica para mim enquanto profissional.

Os objetivos são muito simples, diretos, claros, mensuráveis, sem qualquer margem para dúvida. Por outro lado, o dia a dia – reuniões, discussões, decisões – não são ‘’políticas’’ e contribuem para um objetivo final, como disse, muito claro. E depois, como consequência, a responsabilidade e o impacto de cada decisor é muito mais claro também. Os objetivos acordados com o ‘’board of directors’’ e a forma como passam para o comité executivo e para o negócio são, então, muito alinhados e diretos. E isso dá um poder de decisão muito amplo aos gestores.

A outro nível, na GHD, a empresa é a marca e a marca é a empresa, e isso dá uma força enorme de sinergias no negócio, já que se realimentam e maximizam a sua força recíproca. Finalmente, sendo a GHD líder no seu negócio de ‘’beauty tech’’ capilar e muito também de posicionamento muito premium, não há compromissos, nem com a qualidade, nem com os resultados, nem com a segurança. E, claro, isso paga-se. Mas essa é a nossa escolha e o consumidor valoriza-a, sem qualquer dúvida.

6 – Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

A melhor recomendação que posso dar aos empresários e gestores portugueses é de, antes de tudo, usarem as suas forças, das suas empresas e marcas, do seu ecossistema, do nosso país.

Em primeiro lugar, como tive oportunidade de referir, a nossa adaptabilidade e orientação para a ação, bem como a capacidade de descomplicar e simplificar problemas – isso faz dos nossos gestores profissionais muito valiosos.

Depois, há que aproveitar o que a natureza nos oferece, a nossa situação geográfica, o nosso clima, seja para atrair investimento onde e quando isso seja um fator a ter em conta ou, através de estas características, atrair profissionais para Portugal para aí montar as suas empresas, negócios ou centros de excelência. Hoje em dia, muitas vezes mais do que o lugar onde fisicamente estamos, conta que estejamos acessíveis e conectáveis.

Outro fator que joga a nosso favor é a qualidade da nossa educação superior. Mas é necessário trabalhar a sua imagem e a sua atratividade – veja-se o excelente exemplo recente da Nova SBE. E finalmente a segurança e o clima social estável.

Mas, por outro lado, há que mudar o que nos prejudica – a excessiva burocracia, a excessiva formalidade – e garantir a quem vai investir a estabilidade e segurança fiscal, legislativa e jurídica.

E, para terminar, temos imperativamente de investir nas infraestruturas que nos ligam à Europa (e ao mundo) – o aeroporto de Lisboa e o TGV.

7 – Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?

Temos qualidade e capacidade para investir em qualquer setor em Espanha. Desde que haja qualidade de mão de obra, capacidade de decidir e vontade de o fazer, nada nos trava.

Claro está, pode ser natural o investimento em mercados que tenham tração aqui em Espanha e que sejam de alguma forma mais ‘’naturais’’ para nós, como turismo ou o retalho, mas também investimentos que nos permitam exportar o nosso ‘’savoir faire’’ e, como pode ser o caso do calçado, da moda, da restauração ou da agricultura.

8 – Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde está querer investir?

Uma vez mais, crio que há muitas possibilidades de investimentos, muitos Blue Oceans, em Portugal para investimento estrangeiro e nomeadamente espanhol.

Desde o desenvolvimento do que já existe, mas elevando um patamar mais a oferta (porque acredito que ainda há bastante potencial se feito de forma atrativa, diferenciadora e inovadora), seja no turismo, seja no retalho especializado.

Mas também creio que há muito a ganhar nos setores da saúde, envelhecimento e bem-estar. Adicionalmente, pela qualidade dos nossos profissionais e das nossas condições naturais, penso que as tecnologias de informação, a sustentabilidade e as energias limpas são também áreas de forte oportunidade em Portugal.

Finalmente, as infraestruturas que mencionei antes e tudo o que elas direta ou indiretamente se liga – aeroporto de Lisboa e TGV       .

9 – Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?

Um pouco no seguimento do que falamos, penso que as principais vantagens competitivas de Espanha que podemos replicar em Portugal são: as grandes infraestruturas de transporte internacional para melhorar e facilitar a nossa acessibilidade e o nosso lugar na Europa e no mundo; o investimento em retalho especializado, inovador, diferenciado e competitivo, também de rua e não apenas de centro comercial; uma clara política de vertente económica/fiscal, seja no país, seja nas principais cidades e regiões, para atrair investimento, pessoas, talento e riqueza; uma promoção com branding forte e internacional da nossa educação superior e finalmente um esforço conjunto de diminuição da excessiva formalidade no país.

10 – Pensa voltar para Portugal? Porquê?

Isso, a dia de hoje, não sei… Eu adoro o meu país, mas também me sinto muito bem a viver entre Madrid e Lisboa, com uma atividade profissional europeia, mundial. É um equilíbrio que, por agora, me vai muito bem. No futuro veremos, mas Portugal é e será sempre o meu país em qualquer canto do mundo que esteja, perto ou longe.

Artigo original aqui.