Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão as oportunidades de negócio e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1. O que o levou a sair de Portugal?
Desde que completei o programa Erasmus (seis meses em França), tinha claro que gostaria, em algum momento da minha carreia, trabalhar no estrangeiro. Adicionalmente, depois de ter chegado a uma posição de direção-geral na empresa em que estava na altura – BNP Paribas Personal Finance Portugal – também ficou evidente que para continuar a evoluir dentro do grupo teria de sair para uma posição no estrangeiro.
2. Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
Pedindo antecipadamente desculpa por alguma generalização que pode não se aplicar a todos os casos, creio que nós como portugueses temos três características que nos definem bastante: 1) a capacidade de nos integrarmos em diferentes contextos e aqui a nossa capacidade para falar idiomas estrangeiros ajuda imenso; 2) a capacidade de improvisar e de manter o foco, mesmo quando não existe uma base sólida e estruturada para trabalhar e 3) algum excesso de formalismo nas relações profissionais.
Creio que as duas primeiras são claramente uma vantagem, que aliás nos diferencia muito positivamente. Quando ainda estava em Portugal contaram-me um episódio que retive até hoje de um arquiteto japonês que, depois de construir um edifício no Porto, disse que de futuro gostaria de ter sempre nas suas obras uma sala de vidro com um grupo de trabalhadores portugueses, com menção “quebrar em caso de emergência”
Já a terceira, creio que é uma desvantagem clara. Utilizando uma forma muito ilustrativa, creio que o tratamento por “dr.” e “eng.” nos custa muitos euros anuais no nosso PIB e atrasa o nosso crescimento.
3. Que obstáculos teve que superar e como o fez?
Mudar com a família – a minha mulher e as nossas duas filhas – para outro país, apesar de ser na Europa, vem sempre com alguns obstáculos, sobretudo a nível pessoal. O facto de a minha mulher ter tido que parar a sua atividade profissional foi um deles. A mudança para um ensino internacional em inglês para as nossas filhas, que tinham respetivamente nove e seis anos quando saímos de Portugal, foi outro. Mas em retrospetiva uma mudança que lhes trouxe uma visão global, multicultural e uma base pedagógica que as ajudará certamente muito na sua futura vida profissional.
A nível profissional, gerir pessoas e negócios num contexto cultural muito diferente também obriga a muita aprendizagem e uma dose razoável de humildade, algo fundamental que também me parece que os portugueses têm de uma forma inata.
4. O que mais admira no país em que está?
Depois de ter passado por França e Reino Unido, estou há três anos em Madrid, Espanha. Além da gastronomia e da “movida madrilena”, algo que como vizinhos já conhecemos há bastante tempo, o que admiro muito na forma de trabalhar em Espanha é o pragmatismo e a informalidade nas relações profissionais.
O primeiro traduz-se em que as relações entre as entidades estão sempre enfocadas no negócio, em avançar rapidamente e em não perder demasiado tempo com aspetos menores. Creio que essa mentalidade tem contribuído para que as empresas espanholas estejam bem representadas nos rankings das maiores empresas mundiais nos diferentes setores de atividade. Inclusivamente, a prioridade dada a projetos industriais (como a produção automóvel e de baterias) e a manutenção de vantagens fiscais para não residentes, são outros bons exemplos.
O segundo aspeto, da informalidade das relações, contrasta com o aspeto menos positivo da cultura portuguesa. O tratamento generalizado por “tu”, desde o primeiro contacto, contribui para uma melhor e mais fluida colaboração entre pessoas da mesma empresa e um relacionamento mais próximo com clientes/parceiros e fornecedores.
5. O que mais admira na empresa/organização em que está?
O grupo BNP Paribas insere-se no setor financeiro e é um dos atores mais importantes, não só a nível europeu como mundial. Aquilo que mais aprendi a valorizar é a diversidade de negócios e as oportunidades de desenvolvimento profissional.
O mix variado de atividades permite absorver de forma muito efetiva os diferentes choques a que um grupo financeiro desta dimensão está sempre sujeito: macroeconómicos, regulatórios ou de natureza global, como vimos na pandemia. Com uma presença relevante nas áreas de banca de investimento e comercial, financiamento especializado, seguros, “real estate”, apenas para mencionar alguns, também se consegue gerar bastantes sinergias entre as diferentes áreas e proporcionar uma fantástica oferta de valor para os clientes.
6. Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Antes de passar às recomendações, gostaria de começar por elogiar os empresários: admiro muito a coragem e o seu espírito empreendedor. Aquilo que a minha experiência me diz é que olhar para fora é a única maneira de melhorar a nossa performance como indivíduos e gestores. Isso significa analisar a concorrência e os mercados dentro do nosso setor e do nosso país, mas também fora das nossas fronteiras e em áreas completamente diferentes das nossas. As experiências que os clientes têm no seu dia a dia com os diferentes produtos e companhias com que interagem influenciam imenso as suas expectativas de serviço, mesmo em setores ou países diferentes.
Da mesma forma, precisamos de continuar a aprender. Assegurar que nos formamos em áreas relevantes para o nosso desenvolvimento como gestores; desenvolver contactos de networking com pessoas do nosso setor, mas também com pessoas diferentes de nós, que pensem e trabalhem de forma distinta. Isso ajuda-nos a sair da caixa, a ter novas ideias ou novas soluções para problemas antigos.
Finalmente, algo que teremos de aprender a fazer melhor e trabalhar juntos. Creio que indústria do calçado nos deu um grande exemplo com a criação de um polo de excelência, com várias empresas colaborando em si para explorar o potencial do mercado internacional. Portugal será sempre grande para nós mas muito pequeno no mercado global, pelo que a colaboração, pelo que a colaboração setorial internacional entre empresas normalmente concorrentes traz muito mais a ganhar do que a perder.
7. Em que setores do país onde vive poderão as empresas poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?
Nos últimos meses tem-se assistido a alguns movimentos interessantes de expansão de empresas portuguesas para Espanha. Dentro do setor em que mais me movimento profissionalmente – o do automóvel -, além da experiência do Grupo Salvador Caetano e da Galp, vejo com bastante agrado os planos de desenvolvimento da Powerdot, no domínio dos carregadores para carros elétricos. A mobilidade sustentável é claramente uma área de grande potencial, onde Portugal aparece com um dos melhores exemplos a nível europeu.
Fora deste setor, a experiência da Sograope na área do vinho, setor económico chave em Espanha, ou da Bondalti na área química, são outros bons exemplos recentes de desenvolvimento de empresas portuguesas em Espanha. Outros setores que vejo com potencial de crescimento importante seriam bio-pharma, componentes para o setor auto, especialmente na área de baterias, e os mais tradicionais energia, saúde e turismo, porque vão continuar como áreas de grande procura interna e externa.
8. Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde está querer investir?
Também aqui já existem muitas histórias de sucesso para empresas espanholas. Desde logo, no setor financeiro, com um peso muito grande de bancos espanhóis, mas também na agricultura, energia, turismo, construção, etc. De facto, até pela sua proximidade geográfica e pela diferença de dimensão entre os dois mercados, Espanha já está bastante presente na Economia portuguesa.
9. Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?
Um do maior apoio às empresas que pretendem instalar-se ou desenvolver novos projetos de investimento no país. Creio que aí o pragmatismo a que já aludi nesta entrevista tem contribuído para que Espanha tenha ganho bastantes lugares no ranking da industrialização, algo particularmente importante para um país com uma excessiva dependência do turismo, como Portugal.
10. Pensa voltar para Portugal? Porquê?
Claramente, sim. Além da presença da família e dos amigos, creio que a qualidade de vida é dificilmente comparável, sobretudo, quando projetamos a reforma.
Contudo, vai ser difícil que o regresso aconteça nos próximos anos, porque os potenciais projetos de carreira passarão provavelmente por uma presença no estrangeiro. Eventualmente, alguma posição internacional estando baseado em Portugal seria uma possibilidade… mas para isso ajudaria ter um melhor aeroporto, algo que ainda não perdi a esperança de ver construído antes de me reformar, esperando ter saúde para lá chegar.