Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que o levou a sair de Portugal?
Depois de uma experiência na Alemanha em 2003, no último ano do curso ao abrigo do programa Erasmus, fiquei com vontade de, profissionalmente, experimentar o que seria trabalhar noutro país. Em 2005, surgiu a oportunidade de acompanhar a expansão da Martifer para a Europa de Leste e aceitei o desafio de começar a atividade da empresa na Roménia. Já nessa altura, a diferença de oportunidades de crescimento e salário de quem abraçava uma carreira internacional justificava a saída de Portugal. Desde essa altura que estou fora, tendo vivido na Polonia entre 2007 e 2010, antes de regressar de novo à Roménia, onde me encontro.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser Português?
Em primeiro lugar, Portugal é um país reconhecido no mundo como um país pacífico, o que ajuda na integração numa comunidade; não somos vistos como pessoas problemáticas.
No meu caso, enquanto emigrante na Roménia em 2005, senti que existia um fascínio por Portugal, pelo facto de, mesmo sendo um país pequeno, estar na UE e na Nato, ter um renome positivo no mundo, e ser visto, ainda hoje, como um destino exótico. Por último, a atitude que temos de transformar as desvantagens em vantagens. Ao sermos habituados a fazer muito com poucos recursos, isso ajuda-nos a sermos resilientes e a superar os problemas que advêm da distância, de uma língua diferente, ou de uma cultura diferente.
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
Os obstáculos que enfrentei ao chegar à Roménia foram numerosos, incluindo a elevada burocracia e a ineficácia dos serviços públicos, uma enorme emigração de mão de obra qualificada, e uma população ainda maioritariamente agrícola. Em 2005, 54% dos lares na Roménia não tinham uma casa de banho ligada à rede de esgotos. O outro obstáculo obvio é a língua, que, no caso do romeno, é relativamente fácil de ultrapassar pois tem uma raiz latina com o Português.
4- O que mais admira no país em que está?
A vontade de viver. A cultura romena é o resultado de uma história muito variada e difícil. Devido à ocupação, a Roménia está dividida em três zonas com culturas diferentes: leste, influenciada pela Rússia; oeste, com influência do império Austro-húngaro; e sul, com influência turca. Cada um deles tem uma história cultural única. Atualmente, mais de metade da população vive em zonas urbanas. Apesar de a vida moderna ter influenciado muito o país, as pessoas continuam ligadas à cultura e folclore, e é normal ver, por exemplo, em festivais de música moderna, artistas a reinterpretar temas clássicos de folclore.
Não sendo um destino óbvio de férias, a Roménia tem Montanhas, praias, tem o Delta do Danúbio, e uma quantidade enorme de outros destinos turísticos internos, muitos deles ainda por explorar.
5- O que mais admira na empresa / organização em que está?
Em 2016, decidi começar um projeto próprio na área da energia renovável e gestão de projeto em construção. São dois domínios totalmente diferentes, mas que me permitem a liberdade e luxo de experimentar coisas novas e de me auto-desafiar. É muito interessante verificar que os 13 anos em que trabalhei na Martifer e os mais de 30 países onde estive envolvido em projetos me dão uma bagagem enorme para poder lidar com os problemas do dia a dia de gestão e crescimento de uma empresa
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
É necessário um investimento muito maior em inovação e na criação de produtos que possam ser vendidos como produto final e não como matéria-prima transformada. Um exemplo, para mim claro, é o que se passa com o sector metalomecânico. Um país que não produz matéria-prima (aço), como Portugal, que não produz equipamento de transformação, que apenas transforma matéria-prima importada de Franca, Alemanha, e depois exporta de novo para esses países produto semiacabado, só o pode fazer devido a baixos salários, pois só ai pode residir a diferença para compensar os custos de transporte. Por isso, temos de investir muito em inovação, encontrando formas de transformar essas matérias-primas de um modo mais eficiente que a Alemanha e a Franca. Isto foi conseguido, por exemplo, na indústria do calçado, onde Portugal passou de fornecedor de mão de obra barata, nos anos 80, para o segundo lugar no mundo enquanto valor por par de sapato produzido, apenas atrás da Itália.
7- Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?
Muitas vezes tenho uma sensação de “déjà vu”, ao viver na Roménia. Os 10 a 15 anos de atraso face a Portugal sentem-se, mas são, ao mesmo tempo, uma oportunidade. Nós portugueses já vivemos o que os Romenos estão a viver agora em muitos aspetos. Um dos sectores onde esta diferença é mais notória é no turismo. A Roménia oferece tudo: desde a espantosa arquitetura e divertida vida noturna de Bucareste, às estreitas ruelas de Brasov, o Castelo de Bran (o castelo do Drácula), os picos dos Cárpatos e a beleza do Delta do Danúbio. A Roménia é, por exemplo, conhecida por albergar a maior população de ursos pardos da Europa. Todo este potencial ainda é gerido muito artesanalmente, baseado em pequenas pensões familiares, sem uma estratégia de evolução turística baseada na qualidade das infraestruturas e especialmente dos serviços.
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?
Tecnologia e inovação: Portugal tem uma forte cultura de inovação e empreendedorismo e é um destino atraente para empresas de tecnologia e inovação. As empresas romenas poderiam investir em Portugal para aproveitar o talento local, o acesso a mercados internacionais e o apoio do governo português. Por exemplo, a empresa de tecnologia UiPath (primeiro Unicórnio Romeno) abriu um escritório em Lisboa, em 2022.
A Roménia possui um terço do rio Danúbio e é também a porta de entrada mais importante para o Mar Negro, através do porto de Constanta – o maior e mais profundo porto do Mar Negro. Tem uma história rica, em termos de engenharia e produção naval. As empresas romenas de engenharia naval já atuam em Portugal; agora, é tempo de investir noutros sectores ligados ao mar, como, por exemplo, na criação piscícola, muito desenvolvida no mar negro e rio Danúbio.
A agricultura é outro dos pilares do desenvolvimento da economia romena e um sector em desenvolvimento em Portugal. O país tem ótimas condições para determinados produtos, como o vinho e o azeite, dois dos produtos mais procurados na Roménia.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?
A Roménia foi durante muito tempo um dos países mais pobres da União Europeia, mas ao mesmo tempo um país onde a educação e a cultura foram incentivadas. As suas vantagens competitivas neste momento são os baixos custos de produção e mão de obra qualificada.
Portugal poderia replicar estas vantagens competitivas através de políticas que promovam a competitividade dos custos, a qualificação da mão-de-obra e a atração de investimento estrangeiro. Portugal poderia reduzir os custos de produção através de medidas como a simplificação da legislação tributária e laboral, a redução dos custos de energia e transporte, e o investimento em infraestruturas.
Portugal poderia qualificar a mão-de-obra através de investimentos em educação e formação profissional ao nível de gestão de empresas, desenvolvendo parcerias com empresas para a formação de trabalhadores. Sem uma revisão séria da carga fiscal sobre os trabalhadores, dificilmente o país será competitivo para reter talento.
10- Pensa voltar para Portugal? Porquê?
Portugal é, neste momento, um país ótimo para viver, mas um país mau para ganhar dinheiro para viver. Tem um clima estupendo, uma cultura rica, a melhor cozinha do mundo, mas não reconhece o talento dos jovens nem cria condições propícias para que os jovens que desejam permanecer no país possam fazê-lo. Neste momento da minha carreira, toda a minha rede de contactos está baseada na Europa de Leste, e não me vejo a regressar profissionalmente a Portugal. Espero daqui a uns anos ter condições financeiras que me permitam desfrutar da vida em Portugal com qualidade.
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