Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que a levou a sair de Portugal?
Saí de Portugal aos catorze anos de idade; por isso prefiro pensar que foi o destino. Mas o principal catalisador foi o descalabro da indústria têxtil em Portugal, neste caso em Gouveia, conhecida então como “o tear da Beira”. As constantes greves resultaram no encerramento de muitas fábricas e amplo desemprego, o qual afetou o meu pai, e ditou a nossa saída de Portugal.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
Eu tento não olhar por esse prisma de ser isto ou aquilo. Eu acho que é difícil o habitual imigrante português ter vantagens em países em que a língua portuguesa não seja a oficial. Mas a experiência agora vivida por universitários recém-graduados com altos conhecimentos e fluentes em inglês certamente deve ser diferente. No meu caso, posso afirmar que, se tive alguma vantagem, foi devida à minha criação em Portugal, numa pequena aldeia, na Serra da Estrela, curiosamente chamada Aldeias (concelho de Gouveia). Tive uma formação forte e saudável, durante o ensino básico, que, juntamente com a igreja, me deram sólidas fundações académicas e valores que me têm ajudado a ultrapassar obstáculos, e a atingir êxito no mundo científico. As desvantagens que possam ter existido prendem-se com o facto de ser simplesmente um emigrante – não propriamente por ser um emigrante português. As vantagens ou desvantagens certamente dependem de vários fatores: a pré-formação de cada um e, como já referi, o nível de conforto com a língua e cultura do país para onde se emigra. Eu acho que emigrar por necessidade nunca é fácil; no entanto pode dar origem a um renascimento pessoal e profissional.
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
Apareceram logo à minha chegada, durante os estudos secundários, já que estes eram ministrados numa língua diferente e por professores que, em alguns casos, não tratavam corretamente os estudantes imigrantes. Mas, como disse, o ensino primário em Portugal, e as minhas boas experiências vividas num mundo rural, aonde adquiri excelentes capacidades de dedução e observação, fatores chaves num cientista, instilaram em mim um grande sentimento de segurança nas minhas capacidades e de acreditar que podia enfrentar qualquer desafio.
4- O que mais admira no país onde está?
Talvez as infraestruturas e a segurança. O Canadá é um país novo com pouca população e com um enorme território, não tendo assim que conviver com os problemas sociais e económicos existentes em outros países. No entanto, estamos muito dependentes dos ventos oriundos dos Estados Unidos.
5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?
Sou professor/investigador numa Universidade sustentada em grande parte pelo governo provincial. Globalmente, o sistema pós-secundário está a enfrentar grandes desafios, e as universidades canadianas não escapam. No entanto, os apoios mais ou menos estáveis para a pesquisa ainda fazem com que o sistema pós-secundário no Canadá esteja entre os de topo da tabela mundial.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Apenas me posso referir à ciência e inovação. Eu disse, recentemente, durante a abertura de uma conferência que coorganizei em Gouveia, que a ciência desenvolvida atualmente pelos cientistas portugueses, dentro e fora do país, é uma das melhores do mundo. Fui, inclusivamente mais longe, afirmando que, em termos de qualidade, a ciência portuguesa está “à frente” da canadiana. O sistema universitário português tem produzido excelentes cientistas. Com oportunidades iguais, concordo com as palavras do nosso Presidente da República na mensagem de encerramento da conferência em Gouveia de que os portugueses são “os melhores dos melhores”. Neste contexto, Portugal tem a oportunidade para criar e sustentar programas nacionais palpáveis que possam capitalizar neste talento. No entanto, Portugal necessita de separar ainda mais a educação/investigação do sistema governamental e criar projetos de longo prazo, estáveis, que não necessitem da absoluta dependência de fundos europeus – por exemplo, parcerias científicas público-privadas.
A ciência leva tempo a produzir efeitos, e por isso é preciso estar constantemente focado nos objetivos que ajudarão o país e o mundo a médio e longo prazo. Por isso, penso que atualmente poderá haver uma excessiva dispersão da ciência e universidades: um faz isto, outro faz aquilo, embarcamos em modas, mas não existe um rumo para chegar a porto algum. Não é necessário ter um grande número de organizações/institutos – julgo até que, num país com a população de Portugal, tem é de haver mais concentração de talentos. De igual modo, deverá ser dada mais atenção aos institutos politécnicos, que tanto têm para oferecer ao país. É um “problema” global. Somos guiados principalmente pela constante necessidade e ansiedade de aumentar o número de publicações. É bom fazer ciência por mera curiosidade, pois nunca se sabe de donde vai sair uma importante descoberta e eventual inovação, mas quando grande parte do apoio vem dos contribuintes é necessário pensar duas vezes no que estamos a fazer. Portugal precisa de manter as excelentes instituições que já existem saudáveis e criar projetos sérios, ambiciosos e duradouros, que possam tirar partido do presente e futuro talento português.
Seria bom que uma parte significativa do investimento fosse dirigido a recém-doutorados para os ajudar a dar, de imediato, o primeiro salto para o setor privado e não ficarem “à deriva” de bolsa em bolsa. Isso leva-me a abordar o tema da importante ajuda que deve ser dada às biotechs/start-ups: estas são as sementes das inovações e seriam os polos ideais para os ditos recém-doutorados usarem e explorarem todos os seus conhecimentos e talentos. Já temos bons exemplos: recentemente a CellmAbs (uma start-up da NOVA) licenciou as suas terapias baseadas em anticorpos à BioNTech e a IMMUNETHEP; por outro lado, uma biotech em Cantanhede está a desenvolver vacinas com grande potencial. E estes são apenas dois exemplos. Com esta estratégia, o talento e o conhecimento português só poderão aumentar. Além disso, é relativamente mais fácil de executar e não fica muito cara.
7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?
Existem sempre oportunidades de colaborações académicas entre laboratórios, universidades e instituições de pesquisa. Formalizar o intercâmbio de estudantes universitários, seria um bom início.
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?
Como disse, eu penso que ambos os países poderiam beneficiar de entendimentos formais entre as instituições pós-secundárias para colaborações científicas. Não estou a par de nenhum acordo a nível governamental que vá nesta direção; por isso, podíamos começar por aqui.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?
Não estando o Canadá ao nível dos Estados Unidos ou da Alemanha, em termos de apoios dados aos cientistas e às biotechs, oferece, ainda assim, de modo robusto e não sazonal, suporte a um grande número de investigadores nas instituições públicas e às biotechs. Esta constância seria uma boa forma de fazer da ciência uma área importante para a economia portuguesa. Como disse, é fácil e não é caro – somente exige visão.
10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?
Sim, gostaria de voltar, por razões pessoais e porque sinto vontade de contribuir, em especial para dinamizar o interior do país. Neste contexto, no passado mês de agosto, coorganizei a primeira LUSOciência, um evento científico grátis em português e aberto ao público em geral, que levou a Gouveia 41 palestrantes, cientistas portugueses de dentro e fora de Portugal que estão a trabalhar em diversas áreas de investigação. Foi uma maneira de expor e de promover a ciência portuguesa, aproximando-a das pessoas. Foi uma conferência animada, em que a população gouveense, de todas as idades, participou ativamente. Foi um começo. Gouveia, e o interior, já foram importantes dinamizadores e contribuintes para a nossa economia e cultura, e sê-lo-ão certamente no futuro.