Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que o levou a sair de Portugal?
Saí de Portugal pela primeira vez em janeiro de 1999 para o meu primeiro emprego, a 2ª edição do Programa Contacto, uma iniciativa da AICEP. Muito incentivado pelos meus pais, com quem viajei bastante enquanto criança e adolescente, sempre tive curiosidade por conhecer novas culturas, de descobrir como se vive e se trabalha no outro lado do Mundo. Um dos motivos para sair de Portugal foi a possibilidade de criar uma carreira, ganhando mais experiência e mais exposição, mais rapidamente, do que seria possível em Portugal. Infelizmente, o nosso País ainda não consegue gerar oportunidades de desenvolvimento profissional para o muito talento que produzimos.
Desde essa data, já vivi em Seul, Londres, Luanda e Joanesburgo, para além de Lisboa. Ter vivido em cinco países e três continentes, dá-nos perspetiva, uma noção mais global dos temas e uma abordagem mais tolerante e moderada.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
Penso que os portugueses têm uma boa imagem: são trabalhadores, humildes, dedicados e fáceis de integrar; não viram a cara a desafios e são bons trabalhadores de equipa. A capacidade de adaptação (e integração) dos portugueses a qualquer cultura é conhecida mundialmente. Temos uma flexibilidade intelectual e uma agilidade cultural muito acima da média. Sabemos respeitar outras culturas e temos curiosidade genuína. Acabo sempre por descobrir um português em todos os países que visito – a última boa surpresa foi num restaurante em Kinshasa, na RDC.
De uma forma genérica, a minha experiência pessoal em todos os países tem sido sempre positiva. Nunca encontrei uma situação em que a minha nacionalidade portuguesa fosse um obstáculo, muito pelo contrário. A percepção que existe dos portugueses é também influenciada pelas notícias sobre o nosso país, seja de temas relacionados com o turismo, ou de natureza política, sobre empresas específicas, ou ainda sobre personalidades portuguesas mundialmente conhecidas, que também as temos.
3- Que obstáculos teve que superar e como o fez?
Ao viver em países tão distintos, as barreiras que tipicamente encontramos são: a língua, a cultura local, a alimentação, a integração da vida familiar e a vida social, ou ainda a ética profissional e cultura empresarial. Não é fácil recriar a nossa vida (pessoal e profissional) noutro país, pelo que o alinhamento familiar deve ser o primeiro obstáculo a superar, antes ainda de sairmos de Portugal.
Nos países onde já vivi, os principais obstáculos foram: na Coreia do Sul, a língua e a comida; em Inglaterra, o clima cinzento e frio, e a elevada competitividade laboral; na África do Sul, a cultura empresarial e a segurança; em Angola, a informalidade, a luta contra a corrupção e a relação por vezes tensa com Portugal.
Para superar estes obstáculos, é necessário ter resiliência e capacidade de adaptação, empatia e compreensão com a cultura local e ser acima de tudo bastante humilde. Todos os países, incluíndo Portugal, têm pontos positivos e pontos menos bons, mas o que conta é a nossa atitude perante as dificuldades e adversidades.
4- O que mais admira no País em que está?
Em Angola, admiro a felicidade genuína e autêntica, mesmo nas condições mais adversas. Apesar das limitações normais de um país que procura desenvolver-se e industrializar-se, a energia positiva e o elevado nível de empreendedorismo são surpreendentes e inspiradores. Um mercado com enorme potencial energético e agro-industrial e um país em acelerada afirmação internacional, incluindo no contexto africano. O crescimento da economia angolana tem sido pautado por volatilidade e incerteza, o que obriga os empresários e empresas a saberem lidar com imprevistos e a tornarem-se melhores gestores de risco.
5- O que mais admira na empresa/organização em que está?
O Grupo Standard Bank (“Grupo SB”) é a maior instituição financeira no continente africano. É uma instituição líder no seu sector, e que mantém a fasquia muito elevada, fazendo frequentemente benchmark com os melhores do Mundo. O que mais admiro no Grupo SB é o seu propósito aspiracional muito focado no continente africano: “África é a nossa casa, nós promovemos o seu crescimento”. O Standard Bank tem o slogan “É Possível”, com o qual me identifico bastante.
Outro dos temas que mais admiro no Grupo SB é a determinação no desenvolvimento das suas pessoas. É um grupo que se preocupa em estar constantemente na linha da frente nos temas relevantes para o sector, como gestão de talento, tecnologia e inovação. O Grupo tem também uma enorme preocupação de proteger a sua reputação, querendo sempre fazer o negócio certo da maneira certa.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e Gestores?
Penso que falta alguma coragem para tomar decisões importantes, de longo prazo, e, depois, a disciplina e o foco na execução. É urgente aumentar a produtividade e também o crescimento económico, permitindo a geração de emprego e a criação de riqueza, para que a possamos distribuir de forma justa, apoiando quem mais precisa. Só assim é possível haver mais confiança no futuro.
Portugal é um país atrativo para o investimento estrangeiro, mas temos urgentemente de reter o talento português, que continua todos os anos a sair do país. É crítico captar (muito) mais investimento directo estrangeiro focado na tecnologia e indústria. E é fundamental acabar com a doença da corrupção que corrói a confiança e mina o futuro.
Recomendaria aos nossos empresários que apostassem mais no jovem talento, dando-lhes a autonomia e os desafios necessários para que possam reinventar as suas empresas e ajudá-los a encontrar novas oportunidades de crescimento. Em Portugal, os jovens são o futuro, temos de dar-lhes mais condições e ferramentas para que possam criar riqueza e ajudar o país a crescer. Recomendaria aos nossos empresários fazerem mais parcerias com universidades, para beneficiarem de mais inovação e investigação nos seus negócios. Recomendaria aos nossos empresários cultivarem-se e educarem-se continuamente, para que possam compreender o Mundo de hoje e possam estar à altura dos novos desafios que enfrentamos.
Precisamos de um país a olhar para (e a discutir) o futuro muito mais do que detalhes irrelevantes do presente ou um país preso em temas mal resolvidos do passado. A nova geração é ambiciosa e tem enormes competências e um grande potencial. Dando-lhe espaço, irá mudar Portugal para melhor.
7- Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?
As empresas portuguesas poderão focar-se nas áreas de infra-estruturas e energia, construção e obras públicas, grande consumo, agro-indústria e sector mineiro. Estas são áreas muito importantes que estão a receber grande foco e investimento. Estes são sectores fundamentais para a diversificação da economia angolana.
É fundamental olhar para Angola como um mercado estratégico e com uma perspetiva de longo prazo. Não desistir nem sair do mercado assim que forem encontradas algumas dificuldades, normais em mercados africanos, já que a forma de pensar local valoriza o investidor de longo prazo. Angola precisa de desenvolver um tecido empresarial com ADN exportador com ligações (e conhecimento) a mercados muito desenvolvidos. As empresas portuguesas têm esse valor acrescentado. Por isso, nada me agrada mais do que quando apoiamos empresas portuguesas a estabelecer-se em Angola (ou qualquer outro país em África). De referir a relevância do Acordo Continental Africano de Comércio Livre (“ACFTA”) que irá incentivar um maior comércio intra-africano. As empresas estabelecidas no mercado terão enormes possibilidades de expandir os seus negócios para outros países africanos. Já hoje, notamos esse movimento de empresas baseadas em Angola e a expandirem-se para a RDC, Gana, Nigéria, Uganda, entre outros.
8- Em que sectores de Portugal poderão as empresas angolanas querer investir?
Os empresários angolanos terão interesse em adquirir tecnologia e conhecimento que lhes permita tornarem-se mais competitivos em Angola e na sua expansão regional para o continente africano. Esta é uma das motivações para investimentos em Portugal no sector agroalimentar, energia e industrial por exemplo. Por outro lado, Portugal é também um destino muito atrativo para diversificação de investimentos numa moeda internacional de referência como o Euro. Em mercados emergentes, é recomendável uma alocação de capitais que permita uma diversificação de risco cambial dada a volatilidade das moedas desses países, como é o caso de Angola. Por essa razão pode haver investimentos no sector financeiro, imobiliário, distribuição, entre outros. Angola é um parceiro privilegiado para Portugal dada a nossa relação histórica e profunda interligação entre os povos e as nossas economias.
9- Qual a vantagem competitiva do País em que está que poderia ser replicada em Portugal?
Angola encontra-se num momento delicado pois tenta implementar uma estratégia de diversificação da economia que exige um enorme investimento no sector não petrolífero. Para tal, é necessária estabilidade macroeconómica, um melhor governance e uma solidificação das instituições, bem como uma maior capacidade de atrair investimento estrangeiro. Em todo o caso, a forma como o país se organizou à volta dos sectores mineiro e petrolífero do ponto de vista regulatório, para permitir a atração de investimento directo estrangeiro, é um excelente exemplo a replicar por países que pretendem acelerar investimentos em sectores específicos.
10- Pensa voltar para Portugal? Porquê?
Sim. Apesar de não ter data prevista, gostaria de poder apoiar o meu país a crescer e a mudar as mentalidades, para que os meus filhos possam ter raízes e estar próximos da família.
Consulte a entrevista original aqui.