24 de Setembro de 2024

Entrevista a Luís Rasquilha: «Portugal continua muito fechado sobre si próprio»

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1. O que o levou a sair de Portugal?

Entrei na Science of the Time no início de 2009, com uma função de apoiar a transformação da unidade de “research” numa unidade de consultoria. Logo, ainda 2009, quando no escritório-sede da empresa, na altura, em Amesterdão, definíamos mercados-alvo fora da Europa, o Brasil surgiu no primeiro lugar, pela dimensão e maturidade em áreas de negócio onde atuamos. Tendo eu uma história com o Brasil (desde os tempos em que trabalhei como sócio numa agência de publicidade do Washington (Olivetto – 2002/2003), foi uma decisão relativamente fácil e normal ir para o Brasil testar o mercado e o negócio. Fui em 2011 para uma jornada de 2 anos e, até hoje, a jornada continua. Fizemos o “spin-off” em 2014 e, desde essa altura, ainda que ligados pontualmente à matriz, temos vindo a trilhar um caminho a solo. Foram decisões tomadas um pouco a medo (ida para o Brasil e “spin-off ” do “headquarters”), mas que se revelaram muito acertadas a nível profissional e pessoal: não só pelo crescimento da empresa, mas também pela mudança pessoal que me trouxe com o nascimento do meu filho.

2. Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser Português?

Naturalmente, existe uma ligação histórica entre os países e isso é uma grande vantagem. Essa foi a maior vantagem, que me levou a ser sempre bem recebido por todos ao longo destes 15 anos. Honestamente, nunca senti uma desvantagem de ser português no Brasil. Além das piadas que se contam sobre os portugueses (risos), nunca senti resistência por ser português – antes pelo contrário. O fato de vir da Europa (seja de que país for) abre oportunidades. O Velho Continente tem ainda o seu charme e, talvez pela sua maior idade, ganha respeito junto dos países ditos de economias emergentes. Admito que isso também possa ter sido um fator de facilidade. Depois, e sem dúvida, a nossa proposta de valor, única à altura, fez a diferença. Não existiam empresas que tratassem o tema de cenários tendências e inovação estratégica de forma integrada como nós e num mercado altamente aberto à inovação – isso foi um fator de aceleração de aceitação e crescimento.

3. Que obstáculos teve de superar e como o fez?

O maior obstáculo foi a burocracia. Tem melhorado muito nos últimos anos, com a digitalização dos serviços de uma forma geral, mas sem dúvida que o maior obstáculo foi a questão burocrática – desde o visto, à abertura da empresa e mesmo até à abertura de conta em banco, por exemplo. Muita paciência, resiliência e meditação ajudaram. Mas sempre tudo deu certo e funcionou. Sendo um país de uma escala continental, as coisas sempre demoram mais tempo – por exemplo, enquanto a nacionalidade portuguesa do meu filho saiu em 6 meses a minha brasileira já leva 2 anos e, à data desta entrevista, ainda não está resolvida. Existe também (embora possa parecer descabido) alguma necessidade de adaptar a linguagem – nós não falamos a mesma língua. Palavras, frases, construções frásicas e gramaticais são muito diferentes. Achar que chegamos ao Brasil e o português língua-mãe é a mesma pode criar armadilhas e mal-entendidos. Por outro lado, há que conhecer e habituar-se à cultura e formas locais de atuar, a todos os níveis. Há que conhecer o terreno, as regras do jogo, a dinâmica do mercado e forma de nele atuar. Não que isso seja um obstáculo, mas é necessário saber como se portar na casa dos outros, neste caso no país dos outros. Depois, há o fator segurança que nos obriga a comportamentos de precaução bem diferentes dos tidos na Europa.

4. O que mais admira no país em que está?

A dimensão continental, que abre muitas portas, e claro a fantástica amabilidade e energia dos brasileiros, que é contagiante e nos faz querer ficar. Depois, as diversidades geográficas e gastronómicas dão-nos muitas memórias. Mas o que mais admiro é a capacidade de viver o dia a dia – é algo que me surpreende. O brasileiro é muito adaptável e tem uma capacidade muito grande de se reinventar. Quando algo dá errado, não vira a cara à luta. Tenho aprendido muito com eles como lidar com inesperado. Eu sou um fã do Brasil, desde o primeiro dia que cheguei. Tenho a sorte de ter percorrido um caminho que me mantém apaixonado pelo país e querer continuar esta jornada.

5. O que mais admira na empresa/organização em que está?

A nossa capacidade de pensar diferente, inovar e desbravar caminhos. Temos tido sucesso, pela nossa capacidade de arriscar e testar novas abordagens. Isso é o que mais admiro na organização, ao que se junta uma equipa sensacional de profissionais com quem aprendo todos os dias, desde 2011 quando cheguei a São Paulo. Quando se falava em cenários, tendências ou inovação, sempre via caras de dúvida sobre o quanto conseguiríamos ou não ajudar as empresas. Ao longo dos anos, temos vindo a demonstrar a capacidade de sucesso das metodologias, e a empresa sempre tenta aportar algo a mais. Dizemos que cada cliente se torna um amigo e isso talvez seja o maior diferencial que admiro na Inova. As empresas são pessoas e os negócios são pessoas, e quando olhamos por esse prisma tudo se torna mais fácil e apaixonante de fazer.

6. Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Precisamos de sair da bolha. Portugal continua muito fechado sobre si próprio, olhando pouco para fora. E existe um novo contexto global que precisa ser aproveitado. Nós (portugueses em geral) somos extremamente competentes como profissionais, mas ficamos presos a um modelo mental centrados em nós próprios, muitas vezes influenciado por sermos um país pequeno. Demos mundos ao mundo (frase cliché) e parece que agora não temos mais essa capacidade de desbravar novos caminhos. Existe um grande desafio de capacitação e atualização constantes que são a base de uma cultura mais empreendedora que temos perdido nas últimas décadas. Acho que a Europa como um todo perde na sua capacidade empreendedora e inovadora perante outras regiões do globo.

7. Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?

Num país continental existem naturalmente muitas oportunidades. Eu elegeria os segmentos de mercado mais atrativos, como o agro, a educação, o retalho, a tecnologia, o mercado financeiro e segurador e claro o de serviços públicos. Em todos eles existe alto nível de profissionalização, mas também (e por causa disso) muitas oportunidades de negócio. Sendo oriundo da Europa (no caso Portugal), isso é uma grande vantagem. Mas atenção que num país desta dimensão é necessário ter uma correta noção da abordagem. Podemos morrer por ter sucesso.

8. Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde está querer investir?

Portugal como país precisa desenvolver uma visão de futuro – o que queremos ser daqui a 10, 20, 30 anos. Qual é o nosso diferencial? As pessoas? A cultura? A gastronomia? A história? Essas respostas não existem. Ou se existem apenas alguns as conhecem. Com essa lente como contexto, eu diria que, para mim, os setores do Turismo, Real Estate, Alimentação, Saúde (e serviços relacionados), Moda e a Educação, de uma forma geral, são mercados-alvo extremamente atrativos. Poderão pensar, ao ler: “mas tudo isso já existe com bastante qualidade em Portugal”. Sim, é verdade, mas uma lufada de fora pode ajudar a desenvolver mais esses eixos, que são, na minha visão, os estratégicos para o país – e nesse contexto temos “players” brasileiros que podem ajudar, e muito, o desenvolvimento do país nesses territórios.

9. Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?

O Brasil, principalmente o Brasil dito executivo e empresarial, tem uma capacidade empreendedora e inovadora ímpares, ao que se junta uma boa disponibilidade para o risco, talvez por influência dos EUA e a sua veia empreendedora. Portugal (e talvez a Europa como um todo) precisa de ser mais arrojado e inovador, menos fechado sobre si mesmo e menos conservador nos temas da gestão.

10. Pensa voltar para Portugal? Porquê?

Sempre voltamos, seja em férias, seja a trabalho. Hoje, com operação no Brasil e em Portugal, ficamos muito na chamada ponte aérea. Portanto, posso dizer que continuo em Portugal. Mas também aprendi ao longo da vida que o futuro vai-se construindo dia a dia. Ou seja, não sei, e tudo pode acontecer. Seja no Brasil, seja em Portugal, desde que estejamos com aqueles que gostamos, estaremos sempre em casa.

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