Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que a levou a sair de Portugal?
Há sete anos, a Bristol Myers Squibb passou por uma reestruturação, e a filial de Portugal foi integrada no “cluster” ibérico, com funções centralizadas em Espanha. Fui convidada a liderar o marketing de Hematologia para o mercado ibérico e mudei-me para Madrid com a minha família. Esta foi a minha segunda experiência internacional, depois de cinco anos em São Paulo, Brasil.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
A flexibilidade e resiliência dos portugueses são grandes vantagens ao enfrentar novos desafios. Ser portuguesa tem sido positivo, pois os espanhóis sentem afinidade com a nossa cultura. No entanto, há diferenças culturais com as quais tive que aprender a lidar. Os espanhóis tendem a ser mais diretos e assertivos na comunicação. Já os portugueses, no geral, tendem a adotar uma abordagem mais reservada e diplomática. Além disso, embora a hierarquia seja respeitada em Espanha, ela é menos formal em comparação com Portugal, criando um ambiente de maior proximidade e informalidade. Lembro-me da minha primeira semana de trabalho, quando conheci um médico líder de opinião que insistia em ser tratado pelo nome, sem o título “Doutor”, o que foi uma surpresa para mim.
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
Ser consciente das diferenças culturais, que impactam o mercado de trabalho, foi o primeiro passo para aprender e adaptar-me a trabalhar com a cultura espanhola. Penso que consegui não apenas adaptar-me ao ambiente de trabalho espanhol, mas também trazer o melhor dos dois mundos para contribuir positivamente no meu local de trabalho.
4- O que mais admira no país onde está?
Tenho aprendido bastante com a atitude inovadora dos espanhóis. No ambiente de trabalho há uma abertura para experimentar novas abordagens e desafiar o “status quo”. Para além disso, os espanhóis tentam manter um equilíbrio entre vida profissional e social. Independentemente do tempo, é comum ver esplanadas cheias de pessoas de todas as idades, o que reflete uma cultura que valoriza a interação social. Esse equilíbrio contribui para uma menor taxa de “burnout” e uma maior esperança média de vida, que, em Espanha, é a mais alta da Europa.
5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?
Espanha é o quarto maior mercado farmacêutico da Europa e o nono a nível mundial, com forte investimento em I&D, especialmente em biomedicina e biotecnologia.
Trabalhar na Bristol Myers Squibb e Astrazeneca permitiu-me compreender a importância do mercado espanhol globalmente e contribuir para estratégias inovadoras em Oncologia e Hematologia. Além disso, a liderança de Espanha em ensaios clínicos proporciona acesso antecipado a medicações inovadoras, beneficiando tanto o sistema de saúde quanto os pacientes.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Com base em estudos publicados e “insights” recebidos por entidades e colegas da área da saúde, partilho algumas recomendações gerais:
Aumentar o investimento em Investigação & Desenvolvimento (I&D): Portugal deve continuar a investir em I&D, especialmente em áreas estratégicas como a biotecnologia e a inovação farmacêutica. Incentivos fiscais e a promoção de parcerias entre universidades e a indústria podem acelerar o desenvolvimento de novos produtos e tratamentos.
Fortalecer o ecossistema de start-ups em saúde: Criar um ambiente propício ao crescimento de startups no setor da saúde, facilitando o acesso a financiamento e reduzindo a burocracia. É crucial adaptar os mecanismos de financiamento para acompanhar todas as fases do longo ciclo de inovação, desde a pesquisa até à comercialização. A disponibilidade de infraestruturas certificadas é também importante para que startups possam realizar produções-piloto sem precisar de investir na construção dessas infraestruturas.
Internacionalização das empresas portuguesas: Expandir para mercados internacionais não só aumenta a competitividade, mas também abre novas oportunidades de crescimento e inovação.
Reduzir tempos de acesso ao mercado de novos tratamentos: É fundamental agilizar a aprovação e entrada de novos tratamentos no mercado para garantir a competitividade da indústria de saúde em Portugal. O atraso em processos regulatórios reduz a competitividade e a capacidade de atrair investimentos estrangeiros.
Apostar na formação e na retenção e atração de talentos: Investir na formação contínua dos profissionais de saúde e criar programas que incentivem a permanência dos talentos no país é fundamental. Oferecer condições de trabalho competitivas contribuirá para atrair e reter os melhores profissionais . Além disso, é importante conectar o talento da diáspora portuguesa com o que existe em Portugal.
Promover a digitalização do setor de saúde: Priorizar a transformação digital, em conformidade com o Espaço Europeu de Dados de Saúde (EHDS), capacitando cidadãos a controlar os seus dados de saúde e facilitando o acesso seguro a dados para pesquisa e inovação.
7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?
As empresas portuguesas podem encontrar clientes em Espanha, especialmente no setor de biotecnologia e serviços digitais, que é estratégico para o país e considerado um dos líderes mundiais na área da saúde. Empresas portuguesas que desenvolvem tecnologias de saúde, dispositivos médicos e soluções de ehealth têm grandes oportunidades de explorar parcerias e negócios. Um exemplo é a Fastinov S.A., que desenvolveu uma tecnologia capaz de fornecer um antibiograma aos clínicos em apenas 2 horas, em contraste com as habituais 48 horas, e que já está a expandir-se para países europeus, sendo utilizada em hospitais universitários de referência em Espanha.
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?
Empresas espanholas podem estar interessadas em investir no setor da tecnologia e startups. O ecossistema de startups em Portugal tem-se mostrado dinâmico e inovador, especialmente nas áreas de fintech, inteligência artificial e tecnologia de saúde. Empresas espanholas de capital de risco e grandes corporações de tecnologia podem encontrar em Portugal um terreno fértil para investimentos em startups, incubadoras e centros de inovação. Temos exemplos de empresas portuguesas que são hoje uma referência no mercado de “Health AI”. A Sword Health é uma empresa unicórnio, que se destaca no mercado de saúde digital, especialmente na área de inteligência artificial aplicada à fisioterapia.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?
Criação de uma infraestrutura robusta para ensaios clínicos: Portugal pode aprender com a Espanha na criação de uma infraestrutura robusta para ensaios clínicos, que se tem mostrado uma vantagem competitiva significativa. A Espanha consolidou-se como líder global em ensaios clínicos, tendo implementado regulamentações que simplificam os processos, reduzindo custos e prazos para o início dos ensaios, tornando o país um destino atrativo para a indústria farmacêutica. Em Portugal, apesar de existirem centros de excelência em áreas como neurociências, a infraestrutura enfrenta desafios burocráticos que atrasam o início dos ensaios.
Fomento do ecossistema de startups: Portugal pode fortalecer o seu ecossistema de startups, aprendendo com o modelo bem-sucedido da Espanha, especialmente no setor de biotecnologia. Espanha criou um ambiente altamente favorável para startups, combinando apoio governamental, acesso facilitado a financiamento e uma infraestrutura sólida de incubação e aceleração. A Lei das Startups espanhola foi fundamental para reduzir a burocracia, oferecer incentivos fiscais, e promover a colaboração público-privada.
Em Portugal, com exceção das Health TIC (Tecnologias da Informação e da Comunicação), o acesso a financiamento para outras tecnologias de saúde é limitado no mercado nacional, forçando as startups a buscar capital internacional desde cedo. Além disso, a pesada burocracia em Portugal impede ou atrasa as empresas na utilização dos recursos disponíveis.
Em conclusão, Portugal ainda está a consolidar a sua legislação e infraestrutura para startups, com incentivos fiscais, sistema administrativo e apoio financeiro menos desenvolvidos em comparação com a Espanha. O país pode acelerar esse processo aprendendo com o ecossistema mais maduro e atrativo da Espanha, que já se consolidou como um dos mais fortes do sul da Europa.
10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?
Gosto muito de viver em Espanha, mas um dia gostaria de voltar a trabalhar em Portugal. Encontrei profissionais altamente qualificados e resilientes, e ambientes de trabalho colaborativos e produtivos. No entanto, é essencial melhorar as condições salariais e benefícios para atrair e reter talentos, tornando o país mais competitivo internacionalmente.