Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que o levou a sair de Portugal?
Em 2012, enquanto eu presidia a unidade da Sage, em Portugal, a multinacional avaliava a expansão dos mercados e surgiu a oportunidade de iniciar a operação da empresa britânica no Brasil. Aceitei esse desafio e, de lá para cá, pude vivenciar diversas experiências marcantes no país. De entre elas, destaco 1) o período no qual fui o presidente da Câmara Britânica de Comércio Indústria no Brasil (Britcham) por dois mandatos; e 2) em 2019, quando fui nomeado Oficial da Ordem do Império Britânico (OBE) uma honra concedida pela Rainha Elizabeth II para personalidades que fazem a diferença – facto que muito me orgulha.
Em 2020, a Sage decidiu focar a sua estratégia em países onde poderia comercializar as suas soluções globais, o que, em algumas regiões não era possível pelas particularidades legais em fiscais de cada local. No Brasil, a Sage tinha apenas uma solução global com muito pouco peso na operação global, sendo todos os outros produtos totalmente locais. O cenário tributário brasileiro tem diversas particularidades legais que impediam a implementação dos produtos globais. Por isso, a Sage decidiu então sair do Brasil. Na sequência desta decisão, tive a oportunidade de adquirir a operação da Sage no Brasil e desenvolver a empresa a partir das nossas soluções de conteúdo e software locais.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
É notório que existe uma forte conexão entre Brasil e Portugal. Ao longo do tempo, o Brasil acolheu grandes ondas de imigração portuguesa. Isso nota-se no dia a dia, na arquitetura, na história, na gastronomia, na linguagem e em tantos outros detalhes. Apesar de existirem diferenças aqui e acolá, como no acento e na cultura, por exemplo, se olharmos para o lado das semelhanças, vemos como isso encurta caminhos e facilita o processo de adaptação.
A percepção dos brasileiros em relação a Portugal mudou muito positivamente nos últimos 10 anos, por várias razões. No entanto um facto, o facto de ser português, que fica rapidamente evidente pelo meu sotaque, sempre foi um belíssimo cartão de visita. Os brasileiros sempre receberam com muito carinho os portugueses, que, como eu, para cá vieram morar.
Sobre as desvantagens, uma delas foi achar que, por ter visto várias novelas brasileiras, sabia falar o português do Brasil e descobri que isso não era verdade. Trocava o limão pela lima, dizia que precisava de uma camisola porque estava com frio, percebi que metade daquilo que eu dizia, as pessoas não compreendiam. Sendo que, pela sua cortesia, não me diziam que não tinham percebido. Mas, ainda que o idioma seja o português, há muitas diferenças na língua falada em cada país, o que causa diferenças de entendimento e até mesmo algumas situações engraçadas.
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
Logo de início, lembro-me de uma diferença cultural desafiadora: o brasileiro tem um jeito simpático, cordial e, no geral quere agradar ao outro. Em outras palavras, é difícil para o brasileiro contrariar o seu interlocutor, dizer “não” ou até “não sei”. Ao mesmo tempo, entendem como ríspida a linguagem indireta e objetiva dos portugueses. E, quando falamos em gestão, isso torna-se um desafio. Em algumas situações, quando é necessário saber exatamente o que está a acontecer para tomar decisões, esse modo de suavizar os factos atrapalha. Levei um tempo até entender como lidar com isso.
4- O que mais admira no país em que está?
As belezas naturais são lindas e dispensam comentários. Além disso, admiro muito as pessoas, a energia, o entusiasmo e a vibração que elas transmitem no dia-a-dia. Recentemente, tive uma experiência única ao desfilar numa escola de samba no Carnaval do Rio de Janeiro. Em tempos tão tecnológicos, em que todos estão sempre conectados, milhares de pessoas fizeram o esforço de se privar de usar os seus telemóveis para não comprometer o desempenho da escola na avenida, seguindo a orientação dos organizadores. Cada pessoa ali tinha um papel único na missão de fazer aquelas escolas ganhar. Todos com a canção da escola na ponta da língua, organizados, esforçados. Um verdadeiro sentimento de comunidade admirável, indescritível. Eu não tinha noção de como era e fiquei muito comovido com o que vivi ali.
5- O que mais admira na empresa em que está?
Certamente admiro as pessoas e, principalmente a atitude delas. Enquanto líder de uma equipa com mais de 1000 colaboradores, é muito prazeroso compartilhar do entusiasmo de cada um. Os brasileiros têm uma forma de expressar a sua alegria e gratidão que é muito efusiva e generosa.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
No Brasil, sê brasileiro. Muito mais importante do que criticar o que é diferente, é desfrutar do muito que o Brasil nos proporciona.
7- Em que setores do país em que vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?
O Brasil é um país enorme e apresenta uma vasta gama de oportunidades de negócios em diversos setores. O segmento de serviços, por exemplo, vem crescendo cada vez mais e há oportunidades em transportes, logística e comércio. O segmento de turismo também oferece inúmeras possibilidades de negócios.
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país em que está querer investir?
Eu vivo em São Paulo, que considero ser a cidade onde se tem as melhores experiências gastronómicas do mundo. A excelência vai desde a qualidade da comida, passando pela decoração do espaço, até ao serviço atencioso e alegre, cordial. Creio que os brasileiros já estão influenciar as nossas áreas de serviço em Portugal, e acredito que isso possa ser muito positivo para o desenvolvimento do turismo no nosso país, contribuindo para a excelência das experiências que podemos oferecer aos viajantes.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?
Eu acredito que a principal vantagem competitiva do Brasil é a sua dimensão: é um país extenso, com grande população, o que é impossível replicar em Portugal.
Talvez valha aqui também a referência ao elevado índice de adoção das ferramentas digitais – como, por exemplo, WhatsApp e redes sociais – pela generalidade da população brasileira, que geralmente é muito receptiva a inovações.
10- Pensa voltar para Portugal? Porquê?
Na verdade, nunca deixei Portugal. Divido-me, com muito prazer, entre Portugal e o Brasil, sendo que estou sempre desejoso de ir a Portugal quando estou no Brasil e de voltar ao Brasil quando estou em Portugal. Vou a Portugal com muita frequência – tenho família, amigos e negócios por lá, assim como em outros países.