No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Jonas Rolo, Diretor Sénior de Compras Estratégicas do Ooredoo Group, e Conselheiro do Núcleo Regional do Médio Oriente foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1- O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
Após 15 anos de experiência profissional em Portugal, foi-me lançado um desafio irrecusável: a Amazon propôs-me criar a área de Corporate Procurement para toda a região da EMEA. Criar toda uma nova estrutura para 18 países, numa das melhores empresas do mundo, foi irrecusável. Após 3 anos na Amazon, e com a missão cumprida, foi-me proposto um novo desafio para funções similares, mas agora para uma Multinacional de Telecomunicações (Ooredoo) no Catar. Novamente, aceitei o desafio e, para além de funções de Compras Estratégicas, sou também responsável por diversos projetos de transformação. Nos últimos 7 anos, tenho desenvolvido outras atividades ligadas ao empreendedorismo e “Angel Investment”: sou investidor e membro da administração de diversas “startups’ e também Chairman no Medio Oriente de um clube de milionários (Changer Club) que se dedica a “Angel Investment” e ao crescimento de negócios no Medio Oriente.
2- QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUES?
Trabalhei diretamente com profissionais dos 5 continentes e em mais de 50 países diferentes e considero que os Portugueses têm apenas uma vantagem: a sua versatilidade e adaptabilidade. O nosso sistema educativo e a cultura empresarial motivam a versatilidade, e os profissionais acabam por saber como se “desenrascar” em diversas áreas. Esta experiência de saber tocar vários instrumentos é uma mais-valia fundamental hoje em dia em mercados de elevada VUCA (Volatility, Uncertanity, Complexity, Ambiguity): a versatilidade permite-nos enfrentar desafios cada vez mais estratégicos, tendo uma visão holística e integrada dos negócios, e a adaptabilidade facilita a nossa integração em ambientes e culturas diferentes.
A principal desvantagem que vejo nos portugueses é alguma dificuldade em aceitar o feedback negativo e integrá-lo como oportunidade de crescimento. Na minha opinião, e falo também do meu exemplo, os portugueses, tendo uma boa performance no trabalho, e sendo orgulhosos da mesma, acham que não necessitam de feedback (sobretudo o negativo) e tendem a menosprezar a sua importância.
3- QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
O principal obstáculo foi o de ter de me adaptar a uma cultura de feedback continuo da Amazon, onde tive de aprender a aceitar o feedback negativo como uma ferramenta para o desenvolvimento pessoal. Primeiro, foi necessário tirar a parte emocional nas sessões de feedback e analisá-lo logicamente: há sempre alguma verdade num feedback baseado em factos e comportamentos. Com o tempo, fui melhorando e comecei a interpretar o feedback como uma dadiva e, ao utilizá-lo no desenvolvimento pessoal, isso permitiu-me aumentar a maturidade emocional e a capacidade de liderança. Esta capacidade de incorporar o feedback no crescimento pessoal foi talvez uma das principais armas que me permitiu evoluir no mundo corporativo e no mundo empreendedor.
4- O QUE MAIS ADMIRA NO PAIS EM QUE ESTÁ?
Eu vivo entre o Catar e os Emirados Árabes Unidos (EAU) e o que mais admiro nestes dois países é a impressionante capacidade de se transformarem continuamente. Esta capacidade advém de 4 fatores: Visão estratégica, Diversificação, Adaptabilidade e Inovação. Os líderes de ambos os países desenvolvem uma visão estratégica de longo prazo (10/20 anos), que planeia, vai executando e adaptando-se ao logo do tempo. Esta Visão é baseada na diversificação da Economia e aplicação de inovação para a criação de uma economia do conhecimento. Ambos os países, com economias inicialmente baseadas no petróleo, estão a diversificar-se de formas diferentes, mas o modelo é muito similar: ambos alavancam a riqueza proveniente do petróleo e investem em infraestrutura, tecnologia e educação. Os recentes elevados investimentos dos dois países em Inteligência Artificial demonstram claramente uma aposta no futuro e em querer estar na frente do desenvolvimento tecnológico.
5- O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
O que mais admiro no Grupo Ooredoo é a capacidade de transformar e a vontade de abraçar novos desafios. Nos últimos 3 anos, o Grupo tem vindo a centralizar toda a informação de negócio num único sistema integrado e central, e, ao mesmo tempo, diversificou o seu negócio de puro operador móvel para 4 negócios distintos: os negócios de i) Telecomunicações, ii) Torres e ativos de comunicações, iii) Datacenters e iv) Fintech. Estes Negócios têm equipas de gestão independentes, mas, ao mesmo tempo, têm um core de funções centralizadas que lhes permite economias de escala e eficiências operacionais.
Outra das coisas que admiro na Ooredoo é a capacidade de fazer tudo isto num ambiente de grande diversidade cultural, expandindo-se do Norte de Africa, Medio Oriente, até à Asia. No grupo central, que tem cerca de 250 empregados, há mais de 70 nacionalidades diferentes que colaboram conjuntamente, apesar dos diferentes estilos de gestão e liderança.
6- QUE RECOMENDAÇOES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESARIOS E GESTORES?
Portugal já atingiu uma atenção internacional significativa, que permite neste momento às suas empresas e instituições começarem a capitalizar mais na internacionalização. No entanto, este esforço terá de ser bem delineado e executado, em colaboração com diversas entidades governamentais (Ministérios, ICEP, Embaixadas) e centros de competência ou associações de cada indústria. Identificar as prioridades de internacionalização através de uma matriz que cruze as vantagens competitivas de cada indústria com a sua probabilidade de sucesso nas diversas áreas geográficas de maior desenvolvimento económico seria um instrumento de grande utilidade. Após esta priorização da internacionalização, para cada binómio indústria e geografia, será necessário definir um plano de longo prazo com objetivos de progresso e funções e responsabilidades para os diversos atores relevantes.
7- EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
No Catar e nos EAU as principais áreas de investimento são no sector da Energia (Petrolífera e Renovável), Imobiliário, Hospitalidade, Logística e Tecnologia de inovação. A competição pelos clientes nestas indústrias é elevada e, para alcançar mais sucesso, será necessário seguir o modelo de identificar as prioridades de internacionalização e definir o plano de longo prazo anteriormente indicado. Da minha análise, a área de tecnologia de inovação será talvez aquela onde as empresas portuguesas poderão ter mais probabilidade de encontrar clientes; no entanto, este sucesso só será sustentável e duradouro se o esforço for continuo.
8- EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ A QUERER INVESTIR?
Tanto o Catar como os EAU fazem investimentos internacionais em indústrias estáveis e com crescimento de longo prazo. Neste momento, as indústrias portuguesas que apresentam estas características são o Imobiliário, o Turismo e a Hospitalidade.
9- QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
Considero que a principal vantagem competitiva que o Catar e os EAU têm e que poderia ser replicada em Portugal, é a visão e planeamento de longo prazo (10/20 anos). Portugal não tem uma visão e plano de longo prazo que lhe permita focar-se no que é importante, sem desperdiçar recursos em iniciativas que não contribuem para essa visão. No Catar e EAU, esta visão e plano de longo prazo são concebidos pelo governo (monarquia constitucional), e aplicadas e desenvolvidas pelos ministérios e tecido empresarial público e privado. Em Portugal, um desígnio similar teria de ser elaborado com a contribuição de todos os partidos políticos, tecido empresarial e cidadãos.
10- PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Na realidade, é uma questão que ainda não considerei. Vendo o meu percurso profissional futuro, cada vez mais internacional, e tendo uma família cada vez mais internacionalizada, Portugal não parece, à partida, o destino mais provável nos próximos 10 anos. No entanto, considerando as possibilidades de trabalho remoto e estando Portugal a transformar-se num hub internacional, a hipótese de voltar é uma possibilidade que irei certamente considerar a longo prazo.