No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, John da Silva, Cônsul Honorário no Consulado de Portugal em Perth e Conselheiro do Núcleo Reional da Austrália foi entrevistada para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1- O que o levou a deixar Portugal?
Deixar a ilha da Madeira foi uma decisão familiar difícil, que exigiu grandes sacrifícios e mudanças significativas. O meu pai, que trabalhava como bombeiro e carpinteiro, decidiu, em 1968, mudar-se para Perth, na Austrália Ocidental, em busca de melhores oportunidades. Foi uma escolha difícil para toda a família, mas a minha mãe assumiu a responsabilidade de ficar na Madeira para vender o negócio de carpintaria e as nossas propriedades. Com grande determinação, conseguiu concluir todas as tarefas necessárias em seis meses.
Em janeiro de 1969, partimos da Madeira no navio MV Funchal em direção às Ilhas Canárias. O meu pai viajou primeiro com a minha irmã Ivone, e depois segui com a minha mãe e os meus irmãos Michael, George, Dennis, Lina, Sue e Anna. Após alguns dias nas Canárias, embarcámos no SS Galileo para a viagem direta até Perth. Chegámos no dia 20 de fevereiro de 1969 — uma data muito especial para mim, pois era o meu aniversário. A nossa chegada ao porto foi um momento de grande alegria, com o meu pai e a minha irmã mais velha à nossa espera. Foi um reencontro comovente, e termos a família reunida novamente parecia o início de uma nova fase.
O meu pai já tinha arranjado uma casa para nós em Safety Bay, uma belíssima zona junto à praia. Era um verdadeiro paraíso — areias douradas, águas azuis cristalinas e paisagens deslumbrantes. Foi ali que começou a nossa vida na Austrália.
Anos mais tarde, numa coincidência notável, o mesmo navio MV Funchal, que nos tinha trazido da Madeira, chegou a Fremantle para iniciar a operação de cruzeiros. A minha empresa, Allstates Marine, ganhou o contrato para fornecer ao navio todos os produtos necessários. Visitar frequentemente o navio para almoçar trouxe de volta memórias preciosas da nossa viagem para a Austrália.
Vindo de origens humildes, sempre fui apaixonado pelo mundo dos negócios. Construí desde o início cada empresa que possuí, sem nunca adquirir um negócio existente. Recentemente, tive a honra de ser convidado a integrar a DIÁSPORA, uma iniciativa organizada que promove Portugal e a sua cultura. Fazer parte desta organização tornou-me ainda mais orgulhoso das minhas raízes portuguesas.
O governo australiano reconheceu o meu esforço e as minhas contribuições através de várias distinções de prestígio:
- CITWA – Cidadão do Ano da Austrália Ocidental na categoria de Comércio e Negócios
- Vencedor do prémio Ethnic Business of the Year da Austrália Ocidental (1995)
- Vencedor nacional do Ethnic Business of the Year (1995)
- OAM – Medalha da Ordem da Austrália, tornando-me o primeiro português a receber esta honra no país
- Juiz de Paz na Austrália Ocidental
- Patrono da Academia de Polícia da Austrália Ocidental
- Cônsul Honorário de Portugal em Perth
- Membro vitalício do conselho da organização Celebrate Western Australia
- Vice-presidente do Western Australia Multicultural Lions Club
- Membro do conselho da Fremantle Chamber of Commerce (reformado)
Além disso, fundei e atualmente presido a iniciativa Western Australia Portuguese Citizen of the Year, que reconhece portugueses notáveis a viver no estrangeiro. O programa atribui prémios em seis categorias: Negócios, Profissionais, Desporto, Comunidade, Juventude e Artes e Cultura. Cada vencedor recebe uma guitarra portuguesa, e é também selecionado um vencedor global entre todas as categorias. Atualmente na sua sétima edição, o meu objetivo é expandir este sistema a nível mundial, celebrando o sucesso dos portugueses em todas as partes do globo.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe ser português?
Ser português nunca foi uma desvantagem. Os australianos sempre tiveram uma atitude calorosa em relação ao povo português, e ambas as culturas partilham muitos pontos em comum. Introduzimos elementos da nossa cultura, como comida, vinho e cerveja, que foram recebidos com entusiasmo. A nossa forma de cozinhar, em especial a espetada — um prato tradicional de carne no espeto — fez grande sucesso. Enquanto os australianos utilizam camarões e frango para os seus espetos, nós usamos carne de vaca, e após algumas cervejas partilhadas, surgem rapidamente amizades. Esta é a beleza da Austrália — tudo gira em torno de desfrutar a vida e criar laços.
Contudo, ao chegarmos, a língua foi um grande desafio. Nenhum de nós falava inglês, o que tornou a adaptação difícil para toda a família. Felizmente, os australianos foram muito amigáveis e prestáveis, o que facilitou a nossa integração e a aprendizagem rápida da língua. Para mim, frequentar a escola sem saber uma palavra de inglês foi complicado. Muitas vezes, sentia-me perdido nas aulas, sem perceber o que os professores diziam. No entanto, os docentes e colegas da John Curtin Senior High School foram muito solidários. Com a ajuda deles, adaptei-me e, no final do primeiro ano, já conseguia comunicar confortavelmente em inglês.
Após três anos nesta excelente escola, consegui o meu primeiro emprego aos 16 anos, marcando o verdadeiro início da minha vida na Austrália.
3- Que obstáculos superou e como o fez?
Enfrentei poucos obstáculos na Austrália, um país frequentemente apelidado de “terra de oportunidades”. Com trabalho árduo e foco, tornou-se possível alcançar quase tudo. O meu conselho para quem pretende iniciar um negócio na Austrália é definir objetivos claros com planos para 1, 2, 5 e 10 anos, manter a dedicação e permanecer concentrado nas metas.
4- O que mais admira na Austrália?
A Austrália é a sociedade multicultural mais bem-sucedida do mundo, unindo uma vasta diversidade de culturas, experiências, crenças e tradições. Admiro profundamente o povo australiano. São pessoas acolhedoras, abertas a novas culturas e sempre dispostas a ajudar. Além disso, a Austrália é um país belíssimo, com uma fauna única, praias deslumbrantes e recursos naturais abundantes. Embora seja uma nação relativamente jovem — tornou-se uma federação em 1 de janeiro de 1901 —, evoluiu para um local próspero e vibrante para viver e trabalhar.
5- O que mais admira nas organizações e empresas onde esteve envolvido?
Ao longo dos últimos 30 anos, fundei e geri várias empresas, mas o que mais valorizo são as pessoas com quem trabalhei. Para mim, sempre foi uma questão de trabalho em equipa, de colaboração e partilha de ideias para alcançar objetivos comuns. Acredito que o sucesso nasce da união e do esforço coletivo.
6- Que conselhos daria a empresas e gestores portugueses?
Se pudesse aconselhar empresas ou gestores, diria que os princípios do sucesso são universais:
- Os colaboradores são o maior ativo — escutem-nos e valorizem as suas opiniões.
- Reconheçam o bom trabalho e celebrem as conquistas.
- Compensem os funcionários de forma justa, pagando acima da média para garantir a sua lealdade.
- Mostrem compaixão e preocupação pelo bem-estar dos colaboradores.
- Cultivem relações fortes com os clientes — em momentos difíceis, ofereçam apoio e orientação.
- Colaborem com os fornecedores para melhorar produtos e serviços.
- Mantenham-se competitivos acompanhando os concorrentes e melhorando continuamente.
- O sucesso advém do trabalho em equipa — seja a empresa grande ou pequena, a colaboração é essencial.
7- Em que setores as empresas portuguesas podem encontrar oportunidades na Austrália?
Algumas das melhores oportunidades de investimento na Austrália estão nos setores de:
- Hospitalidade (habitação, hotéis, lares)
- Energias renováveis
- Sustentabilidade
- Mineração
- Indústria alimentar
8- Em que setores as empresas australianas podem investir em Portugal?
Durante uma visita recente a Portugal, constatei que o setor do turismo tem um grande potencial para atrair investimento estrangeiro. Além disso, há uma oportunidade significativa para desenvolver o setor agrícola. Muitos supermercados em Portugal dependem de produtos importados, o que revela margem para melhorias. Fortalecer a agricultura criaria empregos, reduziria as importações e aumentaria as exportações.
9- Que vantagens competitivas da Austrália poderiam ser replicadas em Portugal?
Portugal possui uma das maiores reservas de minério de ferro da Europa, no norte do país, o que representa uma oportunidade enorme. Desenvolver este setor reduziria a dependência de importações, gerando emprego e estimulando o crescimento económico. Tal como a riqueza da Austrália se baseia na exportação de minério de ferro, Portugal poderia seguir um caminho semelhante.
10- Pensa em regressar a Portugal?
Embora adore a ideia de regressar, a minha família e os meus negócios estão na Austrália. Se um dia voltasse, seria para contribuir para o desenvolvimento da indústria do minério de ferro com o know-how australiano e ajudar no crescimento do setor agrícola.