18 de Setembro de 2024

Entrevista a João Verne: “Empresas deviam aproveitar mais o mercado da CPLP”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

Surgiu-me uma oportunidade profissional. Conclui o curso de Direito e tinha alguma vontade de sair do país, mas procurei também emprego em Portugal. Felizmente fui contratado por um escritório de advogados que, apesar de sediado em Lisboa, tinha uma forte presença internacional, nomeadamente nos PALOP, oferecendo-me a possibilidade de viajar e trabalhar noutras jurisdições.

Neste contexto comecei a viajar bastante para Angola, país de onde é originária a minha família. Com o passar do tempo, a vida acabou por se encarregar de fazer com que eu não voltasse a trabalhar, de forma contínua, em Portugal. Nunca tive grandes objeções sobre voltar a trabalhar no nosso país mas, contudo, foram-me sempre surgindo desafios profissionais estimulantes fora do país, fosse nos Estados Unidos, em Angola ou no Reino Unido, o que me levou a continuar fora de Portugal.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

O facto de ser português, especialmente no sector energético, trouxe-me grandes vantagens. Basta pensar que alguns dos maiores produtores de petróleo do mundo são países de língua e expressão portuguesa. Ser português permitiu-me comunicar de forma mais eficaz e ter uma maior compreensão do contexto cultural, o que se traduziu numa maior facilidade em trabalhar nesses países.

Quanto a eventuais desvantagens, diria que talvez a única significativa se prenda com a circunstância de grande parte do sector energético se reger pela lei inglesa/americana (a chamada “Common Law”). A educação jurídica em Portugal é tributária do sistema dito Romano-Germânico, o que obriga os nossos juristas a alguma formação adicional quando pretendem trabalhar neste sector num contexto internacional.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

Naturalmente que qualquer pessoa que viva fora do seu país de origem tem de se adaptar à cultura e aos hábitos de vida e trabalho do país para onde se mudou. Eu já vivi em cinco países diferentes, fui-me adaptando e nunca senti problemas de maior. No entanto, aprendi, pelo convívio com pessoas próximas, que não se devem desvalorizar as dificuldades de adaptação, seja em que país for.

Olhando para aquilo que é normalmente mais difícil, penso que as saudades de quem (e do que) nos é próximo acabam por ser o maior obstáculo. Estou convencido que não me enganarei muito se disser que quase todas as pessoas que emigram passam, de quando em vez, por um período de dúvida, questionando-se se vale a pena continuar fora. Essas dúvidas nunca desaparecem e existem sempre períodos onde se acentuam. No meu caso já passei por vários momentos desses, mas – tudo considerado – continuo convicto de que vale a pena.

Tenho também a sorte de poder contar com uma mulher fantástica, que sempre me apoiou e incentivou a aceitar desafios profissionais em diferentes países. Uma parte importante do sucesso profissional passa por ter estabilidade familiar e no meu caso tenho alguém inexcedível, ajudando-me a superar os desafios a que me tenho proposto. Ter o apoio da minha mulher e dos meus filhos é absolutamente essencial para ultrapassar as dificuldades de morar longe de Portugal.

Em termos profissionais parece-me que os maiores obstáculos passam por questões de afirmação. Quando nos mudamos para outro país existe normalmente alguma desconfiança quanto ao que podemos acrescentar, é da natureza humana que assim seja. Como tal, penso que quem emigra acaba por ter de provar sempre um pouco mais. No meu caso optei por fazer alguns mestrados em países de língua inglesa e, acima de tudo, nunca duvidei que há sempre muito a aprender com quem conhece o mercado para onde nos mudamos.

4- O que mais admira no país onde está?

Eu vivo e trabalho no Reino Unido há cinco anos e aprendi a admirar (ainda mais) a cultura de trabalho deste país. Penso que no Reino Unido se aposta bastante na inovação e nos jovens, valorizando-se carreiras multidisciplinares.

No Reino Unido olha-se muito mais para a capacidade, talento e vontade do que propriamente para a idade e isso é ótimo, uma vez que os jovens trazem muitas vezes perspectivas que nós, um pouco mais velhos, não temos. Aposta-se também muito na inovação o que cria um ambiente em que as pessoas arriscam mais e não se dá demasiada importância quando as coisas correm menos bem.

Por fim, uma das coisas que mais me surpreendeu e que aprendi a admirar, foi a valorização que se dá a carreiras multidisciplinares. Começa no ensino superior, onde os alunos tipicamente fazem um bacharelato na área que lhes desperta a maior curiosidade intelectual. Posteriormente podem optar por fazer um curso de conversão que lhes permite exercer uma profissão para a qual o bacharelato não as qualificava. Frequentemente, os advogados com que me cruzo fizeram um bacharelato em artes, ciências, marketing, etc. Essa vontade de fazer coisas diferentes continua depois nas empresas, onde se valorizam experiências e conhecimentos adquiridos noutras áreas. Tudo isso ajuda a criar uma cultura de inovação que me parece bastante interessante.

5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?

Trabalho na BP há cerca de dez anos e a empresa nunca deixa de me surpreender pela positiva, particularmente pelo rigor técnico que é incutido em todos os trabalhadores e pela atenção colocada na segurança das nossas operações. A BP opera num sector de alto risco e, sem um grande rigor nas questões de HSSE (“Health, Safety, Security, Environment”), não seria possível chegar à posição de liderança que vem ocupando há quase 100 anos.

A BP prima também por privilegiar o desenvolvimento profissional e permitir, a quem assim o desejar, uma carreira internacional potenciada por operações em múltiplos países. Eu sou testemunha disso, uma vez que ao longo destes dez anos tive oportunidade de viver e trabalhar em diferentes jurisdições e de mudar o propósito da minha carreira dentro da empresa.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

A maior recomendação seria a de internacionalizarem as suas operações e tentarem ao máximo aproveitar as oportunidades que se geram por falarmos português.

Naturalmente que Portugal, dada a sua dimensão e contexto geográfico, pode ter mais dificuldades do que outros países. Por outro lado, as barreiras geográficas já não são o problema que eram antigamente e Portugal está bastante bem posicionado, entre os Estados Unidos e a Europa e muito próximo de África. Se pensarmos na nossa posição relativamente ao Oceano Atlântico, não é difícil pensar em todas as oportunidades que se abrem.

Num contexto de oportunidades globais, fazer parte da CPLP é uma vantagem que permite um acesso mais facilitado a um mercado com mais de 250 milhões de habitantes. As empresas Portuguesas já exportam bastante para países da CPLP mas penso que poderiam aproveitar ainda mais esses mercados. Basta pensarmos que alguns dos países da CPLP são países emergentes, onde a população activa é das mais jovens do mundo. Se olharmos para o futuro não será difícil prever que alguns deles se vão tornar países com economias robustas e os empresários portugueses devem posicionar-se para integrarem esse futuro.

Finalmente, há que tirar partido da facilidade que os Portugueses têm em falar outras línguas e da sua capacidade de adaptação a diferentes contextos.

7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?

O Reino Unido é um mercado bastante aberto às empresas portuguesas e reconhece o talento português. Basta vir ao Reino Unido para se perceber a quantidade de portugueses que trabalham em diferentes indústrias e que abrem empresas e prestam serviços no Reino Unido. Qualquer empresa portuguesa, em qualquer sector, que aposte na inovação vai ter as portas abertas neste mercado.

Existem também, naturalmente, sectores mais tradicionais como o sector dos vinhos, calçado, indústria da moda, onde já existe uma forte presença portuguesa, mas sinto que ainda há espaço para crescer. Portugal não tem falta de talento pelo que muitas vezes passa mais por perceber o mercado e identificar oportunidades. Nesse aspecto a AICEP tem feito um trabalho fantástico no apoio a empresas portuguesas que queiram perceber o mercado e tentar vingar.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

Não me parece que exista um sector específico, mas existem muitas oportunidades para empresas do Reino Unido expandirem as suas operações para Portugal.

Portugal forma hoje profissionais de excelência nas mais variadas áreas e as empresas internacionais seguem sempre o talento. Sem profissionais de excelência não existem empresas sustentáveis. Se olharmos, por exemplo, para a qualidade dos engenheiros, economistas e profissionais do sector das tecnologias que o nosso país forma, percebe-se que as empresas do Reino Unido encontram muita “matéria prima” para investir em Portugal.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

O Reino Unido tem algumas vantagens competitivas, mas penso que questões como a eficácia do sistema fiscal e uma maior celeridade processual nas questões jurídicas são absolutamente essenciais para explicar o sucesso do Reino Unido.

Muitas vezes as empresas que investem em Portugal queixam-se dos chamados “custos de contexto” e olhando para a realidade portuguesa não é difícil perceber do que se queixam. O sistema judicial é muito moroso, existe ainda demasiada burocracia na máquina do Estado, tudo demora bastante tempo. Penso que se Portugal conseguir melhorar nestas áreas irá atrair ainda mais empresas.

10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?

Penso voltar, sim. Hoje em dia mais por razões familiares do que profissionais mas penso que no futuro, caso surja um desafio profissional interessante, gostaria de voltar. Por enquanto sinto que faz mais sentido continuar a desenvolver a minha atividade profissional num contexto internacional, mas sei que vai chegar o dia em que vou ponderar voltar a Portugal.