Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1 – O que o levou a sair de Portugal?
Estudei nos Estados Unidos e sempre me atraiu a ideia de expandir horizontes e de correr mundo. Acabou por ser um crescimento natural, aproveitando as oportunidades que surgiram. Depois de ser CEO da McDonald’s em Portugal durante 6 anos, recebi o convite para ser presidente da região Sul da Europa. Durante algum tempo, desempenhei esse cargo com base em Lisboa, mas viajava 4 dias por semana em mais de 10 países, porque gosto de estar no terreno, de perceber os mercados e estava a fazer uma restruturação profunda na região. Foi-se tornando cada vez mais difícil fazê-lo a partir de cá. Quando me pediram para integrar também a comissão executiva da McDonald’s França, resolvi mudar-me para Paris, onde estive 5 anos. De seguida fui vice-presidente da comissão executiva da McDonalds Europe, em Genève, e mais tarde Chief Franchising Officer Worldwide, na sede em Chicago, liderando a estratégia mundial de franchising para os 36.000 restaurantes da marca. Quando decidi sair da McDonald’s, voltei para Lisboa para lançar um projeto próprio na área da restauração, que acumulo com vários cargos como chairman e administrador não-executivo de várias empresas na Europa, Ásia e América Latina.
2 – Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
Sempre trabalhei em empresas que valorizam a diversidade, a performance, o empreendedorismo e os resultados. Não senti nenhuma desvantagem em ser português, antes pelo contrário. Começando num país pequeno, aprendi a gerir com menos recursos do que os meus colegas de países maiores. Isso obrigou-me a ser pragmático, fugi do “not invented here”, da obsessão de ter de estar sempre a inventar algo novo. Em alguns casos, adaptei, melhorei e consegui executar com mais sucesso ideias já existentes. Noutras situações, a menor dimensão também puxou pela nossa criatividade. Desenvolvemos localmente uma cultura de inovação partilhada por toda a organização, tendo a McDonalds Portugal sido reconhecida várias vezes como a subsidiária mais inovadora da Europa. A nossa flexibilidade intelectual e capacidade de adaptação não são um cliché. Somos bons ouvintes, trabalhamos bem em equipa, gostamos de perceber o país, as pessoas e a cultura, o que naturalmente facilita a nossa integração. E, finalmente, destacaria a resiliência. Os gestores portugueses passaram por conjunturas económicas muito difíceis, enfrentando dificuldades num país burocrático, com uma administração pública ineficiente e, frequentemente, num ambiente desfavorável à produtividade e ao crescimento. Julgo que estas circunstâncias nos ajudam a enfrentar contextos adversos noutros países.
3 – Que obstáculos teve de superar e como o fez?
Gosto mais de falar em desafios: cada dificuldade é uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional. Para os superar há que ter humildade para aprender e determinação para avançar, criar e desenvolver boas equipas, valorizando o trabalho em conjunto, e, finalmente, ter uma visão estratégica, percebida e partilhada por toda a organização.
Entre os vários desafios que enfrentei, destaco os seguintes: nos USA, uma enorme competitividade interna que constituiu um incentivo para me focar no essencial e ser “results oriented”; na Suécia, confrontei-me com uma cultura colaborativa, pouco hierárquica e de criação de consensos, que confirmou a importância do conhecimento da realidade local e da criação de confiança entre os vários “stakeholders”; nalguns países do Sul da Europa, tive que gerir a excessiva informalidade e a resistência à mudança num período de crise, o que me obrigou a fazer profundas alterações nas equipas de gestão. A China terá sido porventura o meu maior desafio enquanto estava na McDonalds, pela dimensão e características do mercado, o choque cultural, o condicionamento da atividade económica e, no caso particular, os nossos timings que não encaixavam com o ritmo característico dum processo negocial naquele país. O CEO da McDonalds tinha comunicado a Wall Street que iríamos franchisar 4.000 restaurantes em todo o mundo num período de dois anos, e para o conseguir tínhamos que encontrar um parceiro para o mercado chinês. Passei praticamente um ano na China e em Hong-Kong. Foi um processo apaixonante, que provou como é fundamental a presença no mercado e estar rodeado duma equipa motivada e diversificada. Concluímos a operação de venda de 2.300 restaurantes a um franchisado local um ano antes do prazo previsto.
4 – O que mais admira nos países onde já trabalhou?
Sempre admirei a inovação, ambição e empreendedorismo nos Estados Unidos; a frontalidade e a meritocracia nos Países Baixos; o rigor dos suíços; e o sentido de cidadania e a responsabilidade social na Escandinávia.
5 – O que mais admira na empresa onde esteve?
A McDonalds foi a empresa onde passei mais tempo. Destaco o compromisso com os valores da marca, a relação única entre a companhia, franchisados e fornecedores, o foco no consumidor, a capacidade de execução, o envolvimento comunitário, a ética e a resiliência. A diversidade e as oportunidades de crescimento e de desenvolvimento pessoal fazem parte do ADN da empresa e explicam, por exemplo, que na última reunião global de quadros superiores em que participei, um país pequeno como Portugal fosse dos mais representados.
6 – Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Temos excelentes gestores e empresários em Portugal com os quais aprendi e continuo a aprender. Impressiona-me, em particular, esta nova vaga de gestores e empreendedores ambiciosos e determinados e que conseguem chegar mais longe e mais cedo do que a minha geração conseguiu.
Portugal tem de crescer mais e ser mais produtivo. Temos de olhar para aqueles que estão à nossa frente e não para os que nos seguem. Devemos perceber porque crescemos pouco, por que razões fomos ultrapassados, porque perdemos competitividade. Não há justiça social sem crescimento sustentado. Na minha opinião, faltam incentivos ao crescimento e à produtividade e há que criar condições para um maior investimento em R&D, aprofundando a ligação à academia, pois temos excelentes universidades em Portugal. E, finalmente, há que simplificar a vida das empresas e desburocratizar mais e mais depressa.
No exterior, julgo que pode existir maior colaboração entre empresas portuguesas para desenvolverem projetos em conjunto, principalmente quando entram em novos mercados. Não se trata de privilegiar a nacionalidade sobre a competência, mas antes de potenciar o nosso conhecimento mútuo, ganhando dimensão, valorizando as sinergias e aproveitando a complementaridade. Podemos fazer mais e melhor em conjunto e esse é um dos objetivos em que o Conselho da Diáspora está fortemente empenhado.
7 – Em que setores dos países onde já esteve poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?
Temos empresas que podem ser competitivas em vários setores. As propostas têm de ser diferenciadoras e inovadoras, atribuírem grande importância ao capital humano e não estarem assentes em produtos e serviços de baixo valor. Os clientes são cada vez mais exigentes com as empresas e com o seu papel na sociedade, daí que uma estratégia consistente de ESG seja um imperativo em qualquer parte do mundo.
8 – Em que setores de Portugal poderiam as empresas dos países onde esteve presente querer investir?
Continuar a apostar no setor digital e novas tecnologias e nas energias renováveis. Penso que a área agroalimentar tem enormes oportunidades; a nossa gastronomia, os nossos vinhos, os nossos produtos já têm maior projeção internacional, há que investir na qualidade, na origem e na autenticidade. Julgo que existem perspetivas interessantes para o imobiliário fora dos grandes centros urbanos, bem como para o setor do turismo de saúde.
9 – Qual a vantagem competitiva dos países onde esteve ou está presente que poderia ser replicada em Portugal?
A diminuição da carga fiscal, a simplificação administrativa, a aposta no conhecimento e na formação contínua com uma maior ligação às universidades. A valorização do talento deve ser um desígnio nacional. Alguns países já têm programas holísticos e integrados do com entidades publicas, empresas privadas e universidades para atrair e reter talento. Assistimos a um verdadeiro “brain drain”, uma parte da geração mais qualificada da nossa história deixa o país não por opção, mas por falta de oportunidades. Obviamente que sem crescimento, sem salários competitivos e sem criação de riqueza tudo se torna mais complicado.
10 – Que papel podem desempenhar os gestores que voltaram a Portugal, mas que mantêm uma atividade internacional?
Muitos de nós temos cargos noutros países e conservamos uma rede de contactos em todo o mundo que podem facilitar investimentos em Portugal e o acesso de empresas portuguesas a clientes internacionais. Foi por essa razão que foi criado o núcleo da diáspora de regresso. Um dos nossos objetivos passa por fortalecer o networking entre conselheiros e facilitar a partilha de experiências e o benchmarking. Podemos trabalhar mais e melhor em conjunto desenvolvendo ações concretas não só com as empresas, mas também nos setores da educação, ciência, saúde ou cultura. Existem projetos em curso, outros em estudo, mas sentimos uma grande vontade dos conselheiros para um maior envolvimento e contribuição através dos vários núcleos que foram criados.