18 de Fevereiro de 2025

Entrevista a João Cunha: “País tem potencial para ser líder europeu em renováveis” | Jornal de Negócios

No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, João Cunha, COO e Deputy CEO da Smartenergy, e Conselheiro do Núcleo Regional da Europa Ocidental foi entrevistado para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.

1- O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

A minha decisão de sair de Portugal foi motivada pela procura de novos desafios profissionais que me permitissem crescer numa área com grande potencial, como as energias renováveis. Em 2010, ao observar o panorama do mercado em Portugal, percebi que a experiência internacional poderia ser uma mais-valia para a minha carreira, especialmente em setores como a energia solar e eólica, onde a inovação está em constante evolução. Além disso, a experiência de integrar grandes empresas multinacionais, como a Martifer Solar e Lightsource BP, permitiu-me, na altura no Reino Unido, adquirir uma perspetiva global sobre os desafios e as oportunidades da indústria. Quando mais tarde, em 2018 me juntei à Smartenergy, na Suíça, o seu forte compromisso com a sustentabilidade e a inovação, ofereceram-me as condições ideais para acelerar ainda mais o meu crescimento profissional. Hoje, sinto-me extremamente motivado com o meu papel na empresa, especialmente pelo impacto que estou a ter no desenvolvimento do negócio, tanto no mercado suíço como em Portugal, onde temos uma fatia significativa do nosso negócio e onde em 2020 tomamos a decisão de localizar o nosso centro global de competências em Matosinhos, Porto.

2- QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUÊS?

Ser português tem sido uma vantagem relevante na minha experiência profissional no estrangeiro, principalmente pela reputação que a comunidade portuguesa tem na Suíça. A ética de trabalho e a capacidade de adaptação dos portugueses são amplamente valorizadas, o que facilitou a minha integração tanto a nível profissional como pessoal. A cultura portuguesa também é muito respeitada, e acredito que o meu background cultural tem sido um ativo na construção de relações de confiança com os meus colegas e parceiros de negócio. Por outro lado, um desafio que enfrentei foi a barreira linguística, especialmente ao trabalhar em um ambiente onde o alemão é essencial. Contudo, a empresa oferece um ambiente inclusivo onde a comunicação é feita em inglês, o que ajudou a mitigar essa dificuldade. Além disso, tive de aprender a adaptar-me a uma cultura de trabalho mais formal e estruturada, mas isso também me ajudou a evoluir, tornando-me mais disciplinado e focado na qualidade e eficiência.

3- QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

Um dos maiores obstáculos que enfrentei foi a adaptação ao ambiente de trabalho altamente competitivo e estruturado da Suíça. A sua cultura de rigor e exigência é muito diferente da abordagem mais flexível que se encontra em Portugal. Para superar isso, concentrei-me em melhorar a minha organização pessoal e a minha capacidade de lidar com prazos apertados e com a necessidade de tomar decisões rápidas e eficazes. Além disso, tive de aprender a equilibrar a vida profissional com o meu bem-estar pessoal, dado o ritmo acelerado e a exigência da profissão. A chave para a adaptação foi a persistência, o foco no desenvolvimento pessoal e o apoio de uma equipa excelente, que me ajudou a superar essas dificuldades.

4- O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?

O que mais admiro na Suíça é a sua capacidade de inovar sem comprometer a sustentabilidade e a qualidade de vida. A Suíça é um modelo de excelência em termos de infraestrutura, com um sistema de transportes de classe mundial e uma abordagem muito rigorosa em termos de gestão de recursos naturais e energia. A sua visão em relação às energias renováveis é extremamente avançada, o que é especialmente motivador para quem trabalha na área. A Suíça também possui um ambiente de trabalho altamente colaborativo, onde as pessoas valorizam a eficiência, o rigor e o respeito pelos outros, criando uma cultura profissional que me inspira a dar o melhor de mim. A estabilidade política e a confiança nas instituições são também características que admiro profundamente e que contribuem para o meu bem-estar e segurança.

5- O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

Na Smartenergy, admiro a cultura de excelência, inovação e sustentabilidade que está presente em todos os aspetos do negócio. Trabalhar numa empresa que está na vanguarda das energias renováveis é extremamente motivador, e tenho o privilégio de contribuir para o desenvolvimento de soluções que têm um impacto positivo no planeta. O facto de a nossa empresa estar presente em diversos mercados oferece-me uma oportunidade única de aprender com diferentes culturas e de aplicar as melhores práticas em diferentes contextos. Em particular, a instalação do centro global de competências em Matosinhos, Porto, foi um marco importante para a nossa empresa e para o desenvolvimento das energias renováveis em Portugal, e estou muito satisfeito por poder fazer parte deste projeto. A equipa com a qual trabalho é excepcional, e a colaboração entre todos tem sido essencial para o sucesso da nossa missão.

6- QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?

Recomendaria a Portugal que continuasse a apostar na inovação e na sustentabilidade, áreas nas quais o país tem um enorme potencial para se destacar a nível global. A transição energética é uma oportunidade única para criar um futuro mais sustentável, e Portugal já está a dar passos importantes nesse sentido. Para os empresários e gestores portugueses, a minha principal recomendação seria aproveitar as oportunidades de internacionalização, fortalecendo as ligações com mercados como o suíço, que têm uma abordagem avançada na implementação de tecnologias verdes. As parcerias e colaborações internacionais são fundamentais para o desenvolvimento e para acelerar a inovação em setores como as energias renováveis, e a Suíça é um excelente exemplo de um mercado maduro e inovador nesse campo. Também sugeriria uma maior aposta na qualificação contínua e na adaptação às novas tecnologias, especialmente no que diz respeito à digitalização e automação, que são essenciais para garantir a competitividade no futuro.

7- EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

Na Suíça, as empresas portuguesas têm um grande potencial para encontrar clientes nos sectores de energias renováveis, tecnologias verdes e inovação tecnológica. A Suíça tem um forte compromisso com a sustentabilidade e a transição energética, pelo que há uma grande procura por soluções inovadoras nestas áreas. As empresas portuguesas com forte know-how em engenharia, soluções digitais e sustentabilidade podem encontrar muitas oportunidades em sectores como a construção sustentável, tecnologias de mobilidade verde, e eficiência energética. A área de biotecnologia e farmacêutica também representa um mercado atraente para empresas portuguesas, especialmente nas áreas de investigação e desenvolvimento.

8- EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

As empresas suíças estão particularmente interessadas em investir em Portugal nos sectores de energias renováveis, tecnologias digitais e inovação em sustentabilidade. O potencial de Portugal para se tornar um líder europeu em energias renováveis, dada a sua localização geográfica e os recursos naturais, torna o país extremamente atractivo para investidores suíços. Além disso, sectores como a biotecnologia e o turismo sustentável são áreas com grande sinergia entre os dois países. A Suíça, com a sua experiência em inovação e tecnologia, poderia investir em Portugal para impulsionar o desenvolvimento de novas soluções para a indústria energética e para a digitalização. Outro sector com potencial é a indústria de software e inteligência artificial, onde empresas suíças poderiam colaborar com as startups portuguesas para expandir o seu alcance global.

9- QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

A principal vantagem competitiva da Suíça é a sua capacidade de inovar continuamente, mantendo uma infraestrutura altamente eficiente e uma cultura de excelência nas suas empresas. A combinação de um sistema de educação de topo, políticas públicas que incentivam a inovação e um mercado de trabalho altamente qualificado cria um ambiente perfeito para o desenvolvimento de novas tecnologias. Em Portugal, poderia ser replicado um sistema de incentivos à inovação semelhante ao da Suíça, com um maior apoio governamental à investigação e desenvolvimento, e mais recursos direcionados para startups e empresas tecnológicas. O foco em sustentabilidade e a promoção de parcerias público-privadas para acelerar a transição energética poderiam ser grandes trunfos para Portugal, especialmente no sector de energias renováveis.

10- PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Embora eu tenha uma forte ligação a Portugal, especialmente pela minha família e pela minha vontade de contribuir para o desenvolvimento económico do país, o meu trabalho na Suíça e os projetos globais em que estou envolvido, fazem com que, neste momento, o futuro me leve a continuar a trabalhar em mercados internacionais. No entanto, o meu foco sempre foi contribuir para a transição energética e para a sustentabilidade global, e acredito que o trabalho que estamos a fazer a partir da Suíça poderá beneficiar também Portugal. Não excluo a possibilidade de voltar a Portugal no futuro, especialmente para apoiar a inovação no setor energético ou colaborar em projetos estratégicos que envolvam ambos os países.