Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que o levou a sair de Portugal?
A convicção de que era o tempo certo para sair da minha zona de conforto, associada a elevada carga fiscal, foram decisivas para a minha decisão. Deixar a indústria farmacêutica era um risco, mas ofereceu a oportunidade única de desenvolver aptidões de gestão de topo em ambientes interculturais. Por outro lado, sempre tive um interesse especial em lidar com relações governamentais e questões ligadas ao acesso ao mercado.
A expatriação exigiu agilidade e adaptabilidade, mas hoje é um privilégio trabalhar em paridade com empresários de topo (portugueses e do Medio Oriente). Foi uma curva de crescimento por vezes assustadora, pois estava protegida na função de manager, balizada pela robustez das equipas multifuncionais e extremamente eficientes. Actualmente trabalho com administradores, CEOs e Directores Gerais em expansão internacional.
Não posso deixar de listar a vantagem financeira.
O Medio Oriente expôs-me a um mercado emergente; pessoas altamente qualificadas; parceiros e clientes ambiciosos, bem preparados e com necessidades empresariais bem estruturadas; decidir num contexto de informação imperfeita e equipas culturalmente muito distantes.
Resumindo (risos)? Curiosidade, espírito de aventura, aceleração de carreira, progressão financeira, impacto no negócio. A nível pessoal, educar a minha filha Maria num ambiente multicultural, preparando-a para ser uma cidadã global.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser portuguesa?
A tradição pacifista e a boa reputação dos portugueses espalhados pelo mundo contribuem para sermos vistos como competentes, adaptáveis, consistentes e inovadores. Desvantagens significativas, nenhuma, salvo o facto da marca Portugal não ser forte, afetando o potencial de atração de Investimento Direto Estrangeiro.
Em comparação com outras comunidades radicadas na região, estamos menos estruturados. A articulação dos Conselheiros da Diáspora Portuguesa no Médio Oriente com as Embaixadas de Portugal, Business Councils e AICEP é crucial para aumentar a nossa visibilidade e coesão. Embora seja periférico geograficamente, Portugal não tem de o ser em termos de capacidade de negociação na região.
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
Ao longo de 19 anos de carreira, aprendi muito com a adversidade, erros e sucesso. Cresci e desenvolvi resiliência. Tive de me libertar da escala de Portugal. Os meus pontos de referência eram os do meu quotidiano, o que limitava o impacto da minha acção. “O futuro pertence àqueles que podem imaginá-lo, projetá-lo e executá-lo. Não é algo que se aguarda, mas sim algo que se cria“. Este é o estado mental nos Emirados, que nem sempre me era natural. (risos)
Na esfera pessoal, a distância da família foi um desafio, requerendo equilíbrio emocional. No entanto, a extraordinária adaptação da minha filha, que tinha 2 anos quando aterrou no Dubai sem saber 1 palavra de inglês, a tribo de amigos que que já temos na região e a tecnologia dissipam a (muito portuguesa!) saudade e suportam esta experiência como expatriada.
4- O que mais admira no país onde está?
Vivi na vibrante selva de pedra de Downtown Dubai durante 3 anos. Hoje vivo na pacata Saadyiat. Os Emirados Árabes Unidos (EAU) são um país de contrastes, extremamente acolhedor, com um povo de uma elegância e eficiência ímpares e com uma cultura fascinante, pela sua tradição (e orgulho nas raízes), diversidade cultural e visão clara do futuro para onde todos caminhamos (a passas rápidos). A região é culturalmente riquíssima, recheada de ambição, liderada com visão e onde os “mais-ou-menos” / “vai-se andando” não têm cabimento. Citando o líder do Dubai, “Sejas tu um leão ou uma gazela, quando o sol nascer nos Emirados, é melhor começares a correr.”
Neste país com cerca de 10 milhões de habitantes, onde a larga maioria são expatriados, constrói-se o futuro com uma serenidade revestida de seriedade e sentido de urgência. Aqui, sentimos fazer parte dessa construção, onde a disrupção, a aprendizagem com o erro e a inovação são mote. Admiro a aposta estruturada (articulação dos sectores público e privado, políticas públicas e investimento) em inteligência artificial, genómica, medicina preventiva personalizada e longevidade. É um privilégio viver esta realidade!
5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?
O foco no cliente e as parcerias publicas e privadas, em Portugal e no Medio Oriente. Este ano abraçamos o foco da integração de gerações mais jovens, criando oportunidades de crescimento para aqueles considerados de elevado potencial, quer a nível do programa INOV Contacto como apoiando a política da “emiritização”, promovendo a transferência de conhecimento de Portugal para a região.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Embora exista um franco desconhecimento da geografia, que apostassem seriamente em conhecer o mercado. É uma zona única, com investimentos superiores a 3 triliões (USD) na próxima década, onde o nível de oportunidades para empresas e profissionais é enorme, quer directamente quer através de parcerias. Sublinharia ainda o facto de Portugal ter empresas / sectores bastante atrativos para investimento das empresas e fundos.
Para Portugal? Gostaria de ver maior clareza na definição dos nossos interesses estratégicos e assertividade, eficiência e resiliência na sua defesa.
7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?
Existem muitas oportunidades de negócios e investimentos nos EAU. Diria que a construção, banca, portos, turismo, energia, nova mobilidade urbana e saúde são hoje os principais alvos. Os EAU, com um PIB superior a 500 mil milhões (USD), apresentam crescimentos sustentáveis onde a indústria e os serviços são hoje dominantes, contrariando a ideia generalizada de dependência do petróleo. A Falcon Economy baseia-se na diversificação e independência petrolífera. Desafiaria a que não olhassem apenas para os EAU, lançado o repto a que analisem na região, onde o volume de investimentos e níveis de crescimento económico são praticamente ímpares a nível global.
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?
Portugal tem-se firmado como um destino atrativo para negócios, sendo uma porta de entrada estratégica para a Europa. Temos promovido diversos programas para captar empresas e fomentar setores emergentes como tecnologia, turismo, energias renováveis e biotecnologia, atraindo investimentos de empresas e fundos soberanos. A AICEP tem implementado diversas estratégias para promover as vantagens competitivas de Portugal, com as Câmaras de Comércio e a Diáspora desempenhando papéis cruciais na divulgação dessas oportunidades, cuja articulação poderia ser otimizada.
Por interesse profissional, acompanho de perto as áreas da saúde, do turismo de saúde e do envelhecimento. Acredito que Portugal pode destacar-se como líder nesses setores, desde que exista esse investimento em projetos e infraestruturas.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?
Os EAU possuem diversas vantagens competitivas únicas, como visão estratégica, capacidade de investimento, foco nos resultados e eficiência. Estas características atraem profissionais altamente qualificados e demonstram que um ambiente de negócios favorável, estável e focado em inovação atrai investimentos e impulsiona o crescimento económico.
Para que Portugal se destaque globalmente, é necessário adotar uma estratégia política e económica clara e sustentável, investindo em diferenciais como a simplificação da burocracia, redução de impostos e fortalecimento da marca país, tornando-se assim mais atrativo para investidores e empresas.
10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?
Penso “um dia” voltar ao meu país. Entretanto, e enquanto permanecer expatriada, pretendo ganhar competências, trabalhar com outras culturas, absorver o que se faz “cá fora”, errar e aprender (uma enorme mais-valia!), incutindo sempre na minha filha a identidade e língua portuguesas.
Gostaria de voltar e contribuir, com a experiência adquirida e a minha rede de contatos, para o sucesso do tecido empresarial e universidades portuguesas. Durante esta entrevista apercebi-me de que os planos de regresso físico a solo Luso são ainda longínquos. Voltarei a Portugal com contribuições intelectuais, predominantemente remotas, em projectos de captação de financiamento, internacionalização de empresas e cooperação com academia, preferencialmente com impacto no fortalecimento do sector da saúde português.