30 de Julho de 2024

Entrevista a Gonçalo Vilarinho: ‘’Para grandes investimentos precisamos de decisão rápida.’’

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão as oportunidades de negócio e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócio e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1. O que o levou a sair de Portugal?

Curiosidade, acima de tudo. Vontade de viajar, também! Finalmente, a convicção de que era o tempo certo para sair da zona de conforto. Não sabia, em 2005, aquando da primeira expatriação para Genebra, que ia ficar tanto tempo fora de Portugal.

2. Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Mais vantagens do que o contrário. Habituei-me a pensar assim. Acho que sermos um país pequeno pode ser uma vantagem: adotamos mais rapidamente uma atitude aberta ao que o mundo nos oferece. A vantagem de uma tradição pacifista, de uma forma geral, também ajuda. Finalmente, sinto-me grato pela educação que tive – uma vitória do Portugal democrático. Admiro muitos professores e escolas por onde passei e avalio muito positivamente a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

3. Que obstáculos teve que superar e como o fez?

Há desafios grandes e pequenos. Desde logo, o meu nome próprio, Gonçalo, é pouco apropriado para uma carreira internacional – tive sempre de perder tempo a explicar a sua leitura! Falo metaforicamente da língua como desafio, no caso específico da República Popular da China. É difícil aprender, mas fundamental; é um esforço que nos aproxima muito da cultura e que subestimei nos primeiros anos a viver em Xangai. A distância, também, quando vivemos em cidades que envolvem voos de mais de 13 horas sem pontes aéreas diretas com Portugal. Temos, como país, a oportunidade de ser um hub aéreo muito melhor do que aquilo que somos hoje em dia.

4. O que mais admira no país em que está?

Vivo entre a República Popular da China e os Estados Unidos o que, ao dia de hoje, é um contraste extraordinário em todos os sentidos. Admiro muito os dois países por razões diferentes. Se tivesse de eleger uma dimensão da China, seria o seu secularismo. É demasiado significativo, presente e profundo para se reduzir aos últimos cem anos de história. Isto é, naturalmente, verdade para todas as nações, mas no caso da China é mesmo impossível entender o presente sem verdadeiramente compreender o seu passado. Muito diferente dos Estados Unidos, que admiro essencialmente o empreendedorismo. É extraordinário e vencedor; são a maior economia do mundo e continuam a inventar a uma velocidade acima da média global.

5. O que mais admira na empresa/organização em que está?

Eu trabalhei a minha vida profissional em bens de consumo. Primeiro na Procter&Gamble, depois na Danone e finalmente na Lindt & Spungli. Estas organizações centenárias (ou quase, no caso da Danone), e absolutamente extraordinárias, combinam legado e empreendedorismo, e eu admiro muito o que elas partilham na sua origem: todas elas começaram com um inovador(es) e a sua inovação.

Atualmente, desempenho funções em marcas detidas por uma ‘’private equity’’ que investe em negócios que desafiam categorias convencionais a criar alternativas sustentáveis. Admiro, em comparação com grandes organizações onde estive anteriormente, a rapidez da nossa tomada de decisão, muito característica do mundo de VC e PE em Nova Iorque, mas também a capacidade de imaginar o futuro radicalmente diferente, sem os ‘’if’s and but’s’’ que ainda ouvimos demasiado na Europa.

6. Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Primeiro, um olhar positivo sobre o futuro. Temos muitas oportunidades ‘’and the only way is up’’. Acredito muitos nos ingredientes de Portugal para o mundo que se começa a formatar para os próximos cem anos. Gostaria de ver menos tapete vermelho e mais arrojo em todos os setores da sociedade, mas particularmente nas dinâmicas internas das organizações. Finalmente, falhar mais: precisamos de mais unidades de negócio a falir mais e mais rápido para conseguir subir na cadeia de valor e começar a operar em áreas com muito maior margem (valor acrescentado).

7. Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?

Imensos, com particularidade da China e os EUA serem países e economias muito grandes. O setor alimentar e dos bens de consumo, que conheço melhor, está muito subaproveitado. Um exemplo, também ele metafórico, é não ser possível entender que Portugal, ao contrário de Espanha, ainda não esteja acreditado para exportar presunto (ou carne suína, mais genericamente) para a República Popular da China. Uma coisa fácil que apenas requer organização e disciplina dos operadores públicos e privados envolvidos.

Sou também da opinião de que muitas pequenas e médias indústrias portuguesas, com produtos muito competitivos (e inovadores, em muitos casos), podiam aumentar muito as vendas, sendo mais estratégicos nos orçamentos de marketing e utilizando canais de distribuição online com custos operativos baixos e que permitem escalar rápida e lucrativamente.

8. Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde está querer investir?

Todos. Já investem bastante, tanto os Estados Unidos, preferencialmente através das suas companhias globais, ou os chineses, de forma mais institucional. Num mundo mais instável, mais conflituoso e autocrático, acredito que Portugal vai aumentar muito a sua capacidade de captar investimento estrangeiro nas próximas décadas. Acho que estamos num momento crítico para estabilizar alguns fatores determinantes na captação de investimento produtivo. Para grandes investimentos precisamos, em primeiro lugar, da decisão mais rápida e eficaz, sem que os atores públicos tenham medo das repercussões e consequências. Os últimos anos têm sido exemplo disso. Em segundo lugar, é preciso mais estabilidade nas medidas de contexto com ênfase específica na política fiscal. Finalmente, mais concertação entre as entidades que recebem financiamento público para o efeito e a diplomacia. Os mesmos fatores podem ajudar na captação de investimentos de menor envergadura, e aqui entendo que o setor do turismo ainda é bem mais pequeno em valor absoluto do que pode e vai ser.

9. Qual a vantagem competitiva do país em que está que poderia ser replicada em Portugal?

A República Popular da China tem uma característica que pode e deve inspirar a modernização das democracias modernas. Nós devemos defender o nosso sistema político, mas inovar e encontrar mecanismos para não permitir os ziguezagues que dão cabo dos grandes alinhamentos em matérias estratégicas para o país. As democracias deviam obrigar-se a grandes opções de um plano a muito maior prazo que beneficiariam de um processo mais estável, plurianual, atravessando legislaturas que observem diferentes Presidentes da República e chefes de Governo. Encontrar a fórmula adaptada ao nosso contexto para ter uma política estável em matérias que têm um impacto grande na nossa competitividade, como sejam a política para as grandes empresas do setor empresarial do Estado, os ‘’clusters’’ industriais de investimento prioritário, as medidas de política para atração de investimento, entre outras mais complexas como a justiça e a inovação. Continuidade nestas áreas teria já multiplicado o nosso PIB nas últimas décadas, em que temos perdas grandes acumuladas, algumas muito visíveis e quantificáveis e outras menores.

Dos Estados Unidos temos a aprender a adaptar um sistema judicial mais eficaz e que ajuda as empresas a ganhar e a falhar mais rápido. Como não é a minha área de formação, e não se trata de copiar o modelo que tem demasiadas diferenças, não tenho a pretensão de propor uma solução, mas esta ideia central de que a nossa justiça tem de ser mais célere e eficaz é fundamental, sob pena de continuarmos a não conseguir que a seleção natural se aplique verdadeiramente ao setor privado e que o estado continue a limitar enormemente a capacidade de inovar.

10. Pensa voltar para Portugal? Porquê?

Penso sim e passo cada vez mais tempo em Portugal. Acho engraçado que sempre que digo em Nova Iorque que sou português os meus colegas e amigos americanos (bem como os chineses em Xangai ou Hong Kong) pedem conselhos sobre onde em Portugal seria a melhor geografia para se localizarem. Ao mesmo tempo que isto constitui um desafio grande para Portugal nos preços do mercado imobiliário, principalmente nas grandes cidades, é prova real do quanto o resto do mundo já percebeu a oportunidade crescente do nosso país na nova ordem mundial. Nada como viver fora de Portugal para apreciar ainda mais o país que somos, ‘’in this case the grass is really greener’’.