14 de Janeiro de 2025

Entrevista a Fernando Oliveira: «Em Moçambique, desafios e oportunidades confundem-se»

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1 – O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?

O grupo SumolCompal, a que estou ligado há 30 anos, decidiu empreender uma estratégia de internacionalização que me levou, em 2009, a assumir responsabilidades como diretor, com a responsabilidade de aumentar as exportações para mais de 70 países, e a procurar desenvolver projetos de produção no exterior.

Em 2013, iniciámos a produção na nossa nova fábrica em Moçambique, e a partir desse momento eu fui o responsável por essa operação.

O que me motivou foi esse sentido de responsabilidade e o gosto pela aventura.

2 – QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUES?

Uma competência que os portugueses muitas vezes apresentam é a capacidade de resolver problemas. Olhar para uma situação, reconhecer as dificuldades e focar-se em procurar soluções. Essa competência, aliada à flexibilidade, são fundamentais para o desenvolvimento de uma start-up em qualquer geografia. Não esperar por ter os sistemas todos em ordem para começar a trabalhar, ter o sentido de responsabilidade pelas equipas que dirigimos e uma forte empatia pelos consumidores locais são características que ajudam na abordagem a novos mercados. Assim como a humildade, que é fundamental para a flexibilidade e superação.

Em Moçambique, especificamente, a grande vantagem é termos referências culturais comuns, da língua ao futebol e à inevitável gastronomia. Isto facilita muito qualquer relação; e as relações humanas ainda contam muito em África.

3 – QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?

Uma economia “emergente” tem muitas oportunidades, mas vive também com muitas “emergências” que obrigam a dedicar muito tempo na resolução de problemas, sem as soluções que damos como adquiridas em economias desenvolvidas.

Temos de assumir que nós passámos a ser os estrangeiros e que há muito mais variáveis que não controlamos. Temos de as assumir como restrições, viver com elas e mesmo assim procurar atingir os objetivos.

Uma desvalorização súbita da moeda ou uma disrupção da segurança são factos da vida que podem ocorrer, não temos como evitar ou influenciar, só resta a adaptação.

Numa start-up, as funções vão sendo construídas e as estruturas vão respondendo ao crescimento; cada membro da equipa tem normalmente vários interlocutores na “casa-mãe”, tem múltiplas funções que seriam desempenhadas por diversas pessoas em ambientes de maior dimensão estabilizados. Passamos a ter “duas culturas”, aquela de onde viemos e a quem temos de reportar, e aquela do novo mercado e das pessoas com quem temos de nos relacionar quotidianamente. Nessas circunstâncias, é fundamental manter uma relação próxima com a equipa, constantemente recordar a missão e manter o foco.

Adicionalmente, temos de assegurar que não se confundem os princípios com os métodos; assegurar que os princípios éticos são rígidos e sustentam todos os comportamentos, e admitir que os métodos podem ser flexíveis, adaptados às necessidades do ambiente. E depois traduzir isto nas duas “línguas”, garantir que a resiliência é a norma e que há alinhamento nos propósitos.

4 – O QUE MAIS ADMIRA NO PAIS EM QUE ESTÁ?

As pessoas e a natureza.

Não importam as dificuldades, as pessoas são acolhedoras e têm um sentido da relação humana que se vai perdendo em Portugal. Vive-se para o dia, se correu mal amanhã acorda-se de novo e recomeça tudo; se correu bem, celebra-se. Há pouco sentido do longo prazo, vive-se muito com o sentido do efémero – para o bem e para o mal. Isto significa que é uma sociedade muito resiliente, mas também sem grande sentido de planificação.

As relações são mais estreitas, com o sentido do que é mais importante: a partilha, a amizade e a lealdade.

A Natureza não tem tradução nas línguas locais – presume-se que o eu é parte do todo. As distâncias não têm explicação: num país dez vezes maior que Portugal, um mar de 3000 quilómetros sempre azul, a água sempre acima dos 25 graus, paisagens incríveis e a sensação de que estamos a ver o Ambiente como ele foi criado.

5 – O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?

A competência, a paciência e a lealdade.

A SumolCompal faz muito bem aquilo que decide fazer, seja na organização, nas marcas ou nos mercados. Há muita experiência e ambição acumulada que se traduz em grande competência, e isso sente-se também numa nova e exigente geografia.

A paciência é fundamental para projetos a implantar em economias “emergentes”. Nem tudo corre bem à primeira, os planos são tão necessários como improváveis de cumprir. Insistir e persistir é a característica de quem está nos negócios com um propósito.

A lealdade perante as equipas internas, os consumidores e parceiros de negócio é uma característica fundamental para assegurar a credibilidade de uma empresa. A SumolCompal está sempre presente, nas oportunidades e nas dificuldades, o que transmite uma grande confiança e sentido de pertença.

6 – QUE RECOMENDAÇOES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESARIOS E GESTORES?

Aconselharia a sociedade portuguesa a repensar a sua responsabilidade inter-geracional. Temos uma responsabilidade para com os nossos filhos e netos, que ignoramos em algumas decisões, particularmente nas decisões políticas de curto prazo. Não é frequente pensarmos no propósito e no impacto de longo prazo das nossas ações – a urgência ou necessidade da geração atual absorve frequentemente toda a atenção e recursos, deixando a fatura do bem-estar atual para os tais netos.

Aconselharia os empresários e gestores a arriscarem. A “zona de conforto” é aquela em que tudo se passa à nossa volta sem o nosso controle ou participação. A ambição tem de ser conjugada com o desconforto dos desafios difíceis e das vitórias improváveis. Quando o esforço e empenho se associam a equipas corajosas e inquietas, aumenta muito a probabilidade de resultados mágicos e memoráveis. O prazer da conquista quando tudo se conjuga, contra todas as probabilidades, não tem preço, e é o único pelo qual vale a pena correr.

7 – EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?

Moçambique tem muitos desafios e oportunidades. Frequentemente confundem-se.

A população ronda os 35 milhões, com uma idade média perto dos 17 anos e um crescimento anual acima dos 2%. Isto significa que o número de potenciais consumidores vai subir, dependendo da área de negócio que o empresário tenha como prioritária.

A alimentação, a educação e a saúde são áreas a desenvolver. A agricultura tem um potencial enorme, quer pela disponibilidade e qualidade da terra, quer pela disponibilidade de água e pela dispersão geográfica de uma extensão de 3000 quilómetros com múltiplas variedades de clima. Muitos outros sectores beneficiariam com a qualidade de empresas que apostem no longo prazo e em propostas de valor bem-adaptadas ao mercado e às condicionantes (muito desafiantes) do ambiente de negócios.

Há uma grande base instalada de empresas e empreendedores portugueses em Moçambique, em múltiplos sectores de atividade. Esta rede de contactos pode ser muito útil para mitigar o desconhecimento de quem pensar em investir no país.

8 – EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?

Principalmente imobiliário, restauração e turismo. A comunidade Portuguesa em Moçambique é mais numerosa que o inverso, e há necessidade de estreitar esses laços.

9 – QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?

Alguma informalidade e o sentido de solidariedade. Em Moçambique é frequente existir um mecanismo entre familiares, colegas ou amigos, que se denomina “estique”. Num exemplo simples, 12 pessoas juntam-se e decidem pôr de parte uma determinada verba mensalmente. A cada mês, uma das pessoas recebe o dinheiro de todos e mantém o compromisso de contribuir sucessivamente para os outros. Este mecanismo pressupõe absoluta confiança, e é um pretexto para reforçar os laços de solidariedade.

As relações, mesmo de trabalho, têm sempre uma componente humana forte. Em Portugal tendemos muito a focar-nos no resultado, sem percebermos que para o atingir precisamos dos outros, e frequentemente devemos caminhar lado a lado.

10 – PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?

Sim, claro. De cada vez que viajo entre Maputo e Lisboa digo que vou para casa, mas quando o faço em sentido inverso digo o mesmo. É um grande conforto saber que nos sentimos bem e em casa em dois sítios diferentes.

Voltarei sempre porque a maior parte da família aqui está e porque ainda acho que há muitas oportunidades no país. Gostaria de contribuir com a minha experiência e com uma visão diferente para a melhoria da economia do país.