Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que a levou a sair de Portugal?
Em 2003, fui convidada pela empresa para a qual trabalhava na altura (a Raytheon Technologies Company, hoje RTX) para assumir funções na Alemanha, na região de Frankfurt. Foi uma excelente oportunidade de desenvolvimento pessoal e um crescimento bastante grande em termos pessoais e de carreira. Por esses motivos, pareceu-me ser uma boa ideia na altura. Hoje vejo que foi uma das melhores decisões que tomei.
Em 2008, mudei de empresa e, já na SPX, fui transferida para a Suíça. A partir daí, mudei de empresa algumas vezes e progredi como profissional, com a minha visão do mundo a expandir-se com essas experiências. Estou muito satisfeita com a experiência que me foi proporcionada com o alargamento de horizontes e aprendizagem.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
Não acho que a nacionalidade me tenha trazido vantagens ou desvantagens… A minha identidade cultural é clara e vivida de forma natural. Nunca senti que fosse o passaporte a ditar o meu percurso. No contexto das empresas para as quais trabalhei, sejam americanas, alemãs ou francesas, o profissional vale pelo seu desempenho e pelas suas competências – o passaporte não adiciona valor nem é fator de diferenciação. As organizações das quais tenho feito parte têm o multiculturalismo como centro das suas atividades, com vários idiomas de trabalho, diferentes abordagens aos desafios do dia-a-dia e objetivos partilhados.
Neste momento, tenho dupla nacionalidade (portuguesa-suíça) e, para além de algumas diferenças na obtenção de vistos num país ou noutro, não vejo grande alteração…
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
Como em qualquer mudança, há um período de adaptação. Assimilar novas regras e convenções sociais, aprender a fazer tarefas que em Portugal são um dado adquirido e que passaram a responder a processos diferentes, são exemplos de um conjunto de situações que implicam alguns meses de adaptação. A burocracia e a cultura alemã são diferentes da nossa, e essa descoberta é tanto um desafio quanto uma aventura enriquecedora! O idioma (alemão) deu uma cor diferente aos dias, e tudo isto são coisas que se ultrapassam e que contribuem para o nosso crescimento enquanto pessoas, tanto a nível profissional como pessoal.
No meu caso, o clima foi uma das coisas a que demorei mais tempo a ajustar-me: desde (re)aprender a conduzir no Inverno, a escolher quando e como sair, entre outras. Viver quatro estações do ano no mesmo dia foi uma novidade. Depois, existe também aquele sentimento que tanto se fala por ser muito nosso: posso dizer que aprendi o significado da palavra saudade… das pessoas, dos cheiros, dos ruídos, da comida.
Foi muito importante pedir ajuda a colegas e amigos por cá e em Portugal, para ultrapassar as dificuldades iniciais. No entanto, e num contexto geral, posso dizer que não senti obstáculos de maior – acho que a minha adaptação tem sido bem-sucedida. Hoje, acho que estou em casa por aqui…
4- O que mais admira no país onde está?
Neste momento, vivo entre a Suíça e a Alemanha. Em ambos os países, admiro profundamente o sentido do dever, organização e civismo. A qualidade de vida é alta e o acesso e qualidade dos serviços de saúde, educação e administração é fácil e eficiente – muito porque as pessoas trabalham de forma consistente e estruturada.
Há um equilíbrio muito grande entre a vida profissional e pessoal, com políticas favoráveis ao tempo de lazer. Esta realidade permite ter atividades para além do trabalho, e a maioria das pessoas tem hobbies e uma vida saudável.
A Suíça, para além da beleza natural, é muito central, estando próxima de uma série de países: com transportes públicos acessíveis, é fácil visitar outros países como Itália, França, Alemanha – esta mobilidade é uma vantagem acrescida.
5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?
A Bosch é uma organização enraizada na sua história de quase 140 anos e mantém vivos os valores do Fundador, Robert Bosch – um humanista e europeísta.
Somos um Grupo muito centrado na inovação, com uma cultura de curiosidade e colaboração, uma empresa verdadeiramente global, e isso é algo que tem contribuído fortemente para a minha aprendizagem e visão do Mundo.
A Bosch é uma empresa que tem valores muito fortes e bem definidos, alinhados com um claro sentido de propósito, suportados por algo muito importante que é a nossa cultura empresarial, que assenta em valores como a inovação, a diversidade, a responsabilidade social, a eficiência na utilização racional de recursos e a proteção ambiental, e que orientam a forma como fazemos o nosso trabalho diário. A nossa orientação para o futuro e foco na sustentabilidade, faz com que sejamos uma empresa que investe muito na inovação e tecnologia. Quem se junta à Bosch sabe que está numa empresa que tem na sua génese essa constante procura por inovar, por criar tecnologia que faz a diferença na vida das pessoas e da sociedade no geral.
Além disso, a Bosch, enquanto marca empregadora, tem um propósito que passa pela valorização das suas pessoas, a par com a promoção do sentimento de pertença, e promove políticas de mobilidade interna que proporcionam aos colaboradores diversas possibilidades de desenvolvimento de carreira em múltiplas áreas e diferentes países.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Acho que há alguns aspetos muito importantes e que vejo necessários reforçar e desenvolver:
Visão: Ter uma visão clara do que se quer alcançar é fundamental. O desenvolvimento estratégico assente em critérios bem definidos e com financiamento claro e a médio prazo (desenvolvimento de cenários e gestão de risco) são aspetos muito importantes na gestão de negócios. O alinhamento com prioridades como o crescimento sustentável e ético são extremamente importantes.
Liderança: Desde o momento que assumimos responsabilidades pelo destino de um projeto ou empresa, devemos entender que transformar visão em matéria demora tempo e requer ética e perseverança. É crucial exigir e oferecer essa ética e consistência.
Recrutamento e Retenção: a implementação de práticas equitativas de gestão de pessoas é vital. É importante ter a certeza de que são contratados os melhores recursos, que os compensamos de forma justa e que lhes proporcionamos oportunidades de desenvolvimento.
7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?
A Suíça tende a investir e inovar como forma de expandir a sua própria relevância económica. Há diversos exemplos disso em Portugal. Penso não haver uma área especifica. No entanto, a Suíça é um hub de inovação – geralmente ocupando os primeiros lugares a nível mundial. Esta circunstância leva-me a crer que explorar formas de parceria e apoio à expansão dessa propriedade intelectual de alto valor acrescentado seria uma boa forma de Portugal aproveitar a grande plataforma que é a comunidade portuguesa residente neste país.
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?
Penso que as áreas de tecnologia são interessantes, até porque Portugal tem muito talento nesta área, com formação de grande qualidade, que é reconhecida a nível internacional e que por isso os talentos formados em Portugal são desejados e requisitados por empresas em todo o mundo.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?
Tendo como exemplo a Suíça, as vantagens de investir na educação, investigação e inovação em áreas de elevado valor são uma verdadeira diferenciação da economia. Se pensarmos nisso, percebemos que, sendo um país “pequeno”, encontrou nesta estratégia formas de se manter relevante e atrativo.
Há um incentivo muito grande à formação contínua, que é uma prática comum na Suíça. Isso ajuda a manter a força de trabalho atualizada com as últimas tendências e tecnologias.
Parcerias entre Empresas e Instituições de Ensino: a colaboração estreita entre empresas e instituições de ensino na Suíça garante que os currículos sejam relevantes e alinhados com as necessidades do mercado, facilitando a transição dos estudantes para o mercado de trabalho.
10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?
A “tempo inteiro”, não. Gosto de viver na Suíça e na Alemanha. Com a facilidade de comunicação e transportes, consigo aproveitar idas e vindas de curta duração, mantendo ligação à família e amigos, e continuando a crescer pessoal e profissionalmente.