9 de Outubro de 2024

Entrevista a Diogo Caldas: “O sucesso em África não se alcança de forma imediata”

Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.

1- O que o levou a sair de Portugal?

A minha decisão de sair de Portugal foi motivada pela vontade de enfrentar novos desafios e aproveitar o potencial inexplorado de Angola na área do retalho. Na altura, trabalhava na Nike, com a possibilidade de mudar para Espanha, mas optei por um desafio completamente diferente: ir para Angola e lançar o projeto Kinda Home. Foi uma oportunidade de aplicar a minha experiência num mercado emergente, construindo algo de raiz num país com grande potencial.

Hoje, ao olhar para trás, tenho a convicção de que esta foi uma decisão acertada na minha carreira, pois permitiu-me contribuir para o futuro de um país com muito potencial, enquanto simultaneamente crescia como líder e gestor.

2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?

Ser português trouxe-me uma vantagem significativa em termos de proximidade cultural e linguística com Angola, facilitando a criação de relações fortes e uma adaptação mais fácil. Portugal e Angola partilham uma história e uma língua comum, o que foi uma mais-valia num ambiente novo e complexo.

No entanto, também enfrentei o desafio de ajustar as minhas práticas e perspetivas a um contexto empresarial muito diferente daquele a que estava habituado em Portugal. Esta adaptação exigiu uma grande flexibilidade, resiliência e uma constante vontade de aprender e evoluir.

3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?

Durante os 13 anos em Angola, enfrentei desafios como a volatilidade económica e a adaptação de práticas globais ao contexto local. A resiliência, aliada a uma visão estratégica focada na formação da equipa e na criação de parcerias locais, permitiu transformar obstáculos em oportunidades, construindo uma base sustentável para o crescimento contínuo da empresa.

4- O que mais admira no país onde está?

O que mais admiro em Angola é a determinação e a força do seu povo. Angola tem uma história rica e complexa, mas também é um país onde se sente uma energia vibrante e uma vontade incessante de progresso e construção de um futuro melhor. É inspirador viver e trabalhar num lugar com tanto potencial, onde a superação dos desafios é evidente em todos os setores.

Além disso, aprecio o dinamismo de Angola, um país em constante evolução, onde as oportunidades são vastas e cada dia traz uma nova possibilidade de contribuir para o desenvolvimento. Apesar dos atuais desafios económicos, a capacidade de se reinventar e avançar é notável.

5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?

O que mais me inspira na Refriango é a nossa capacidade de enfrentar desafios e de estar em constante evolução. Ao longo dos anos, a empresa tem demonstrado uma resiliência notável, adaptando-se rapidamente às mudanças do mercado e mantendo-se sempre na vanguarda do setor de bebidas em Angola. Este percurso de constante superação reflete-se no compromisso inabalável com a qualidade e a excelência, que são pilares fundamentais do nosso sucesso.

Admiro a dedicação e o talento da nossa equipa, que, todos os dias, se esforça para ultrapassar novos desafios e alcançar patamares cada vez mais elevados. Esta cultura de inovação e melhoria contínua é o que nos permite não só enfrentar as adversidades, mas também transformá-las em oportunidades de crescimento.

Estamos empenhados em continuar a expandir, sempre com o objetivo de levar os nossos produtos a mais consumidores e impactar positivamente as suas vidas.

6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?

Portugal tem um papel estratégico e único a desempenhar em África, baseado na sua história, cultura e nas relações de longa data que mantém com vários países do continente. Os empresários e gestores portugueses estão numa posição privilegiada para atuarem como pontes entre a Europa e África, facilitando não apenas as trocas comerciais, mas também a transferência de conhecimento e a inovação, promovendo assim um desenvolvimento sustentável que beneficie ambas as regiões.

A posição de Portugal permite compreender e respeitar as especificidades culturais e económicas dos mercados africanos, o que é essencial para alcançar o sucesso. Ao mesmo tempo, os empresários portugueses têm a capacidade de introduzir uma mentalidade de negócios europeia, caracterizada pela inovação, eficiência e qualidade, adaptando-a de forma sensível às necessidades e realidades locais. Este equilíbrio entre tradição e modernidade é uma das chaves para triunfar em África. Para desempenhar este papel estratégico com êxito, é crucial que os empresários e gestores portugueses estabeleçam alianças sólidas e mostrem uma verdadeira disposição para compreender e adaptar-se às dinâmicas locais. Além disso, é fundamental adotar uma visão de longo prazo, pois o sucesso em África não se alcança de forma imediata, mas sim através de um esforço contínuo e sustentado. Ao abraçarem este papel único, os empresários e gestores portugueses podem não só expandir as suas operações, mas também contribuir para um futuro mais próspero e integrado, tanto para Portugal como para África.

7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?

Em Angola, as empresas portuguesas encontram uma vasta gama de oportunidades em setores estratégicos. O setor agrícola, por exemplo, oferece um potencial significativo devido aos abundantes recursos hídricos e às extensas terras férteis ainda por explorar. A “expertise” e a tecnologia avançada de Portugal podem desempenhar um papel crucial no aumento da produtividade agrícola e na diversificação da produção local, respondendo à crescente procura interna.

Na agroindústria, existe uma oportunidade na produção de bens que Angola atualmente importa, como a carne. Desenvolver uma indústria local sólida não só reduzirá a dependência das importações, como também fortalecerá a economia angolana, promovendo a autossuficiência.

Além disso, o setor da tecnologia e inovação, alimentado por uma população jovem e em crescimento, é um campo promissor para investimentos.

8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?

As empresas angolanas poderiam investir em Portugal nos setores de turismo, infraestruturas e construção. Estes setores oferecem oportunidades para fortalecer a ligação entre Angola e Portugal, criando sinergias que beneficiem ambos os países.

9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?

Uma das grandes vantagens competitivas de Angola que poderia ser replicada em Portugal é a resiliência e a capacidade de adaptação do seu povo e das suas empresas face a um ambiente económico e de mercado em constante mudança. Em Angola, as empresas operam frequentemente num contexto de volatilidade e incerteza, o que lhes confere uma agilidade e uma capacidade de resposta rápida às mudanças, características que poderiam ser muito valiosas em Portugal, especialmente em setores que enfrentam transformações rápidas.

Outra vantagem competitiva é o espírito empreendedor que se observa em Angola, onde a necessidade muitas vezes estimula a inovação e a criatividade. Este dinamismo empreendedor, quando combinado com a estabilidade e os recursos disponíveis em Portugal, poderia fomentar novas oportunidades de negócio e acelerar o desenvolvimento de soluções inovadoras em diversos setores.

10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?

Portugal é, e sempre será, uma parte fundamental da minha identidade e da minha história. Embora viaje frequentemente a Portugal, a minha prioridade atual está em Angola, onde a minha família e eu nos adaptámos muito bem e onde vejo um enorme potencial para crescimento e desenvolvimento, tanto a nível pessoal como profissional. Neste momento, estou focado em aproveitar as oportunidades que Angola e o continente africano oferecem, particularmente no desenvolvimento da Refriango, sempre com a visão de inspirar e fazer a diferença de forma significativa. Dito isto, nunca excluo a possibilidade de voltar para Portugal no futuro.

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