“Temos de aproveitar melhor as oportunidades da UE”
Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão oportunidades de negócios e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1. O que o levou a sair de Portugal?
Saí de Portugal quando ainda estava no Instituto Superior Técnico, a concluir o curso de Engenharia Aeroespacial. Tinha curiosidade em estudar fora de Portugal e aproveitei uma oportunidade de Erasmus na Universidade Técnica de Delft, na Holanda, onde concluí o curso. Depois surgiu a oportunidade para ficar mais algum tempo e fazer também o mestrado da universidade holandesa em colaboração com a indústria. Pouco depois, fiz um estágio na Airbus na Alemanha – aí tive o meu primeiro emprego, e por aí fui ficando.
2. Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser portugues?
Como sempre estive em países da União Europeia, o facto de ser português nunca me trouxe vantagens ou desvantagens enquanto estive no setor privado – a livre circulação de pessoas dentro da União Europeia aumenta significativamente as oportunidades. Além disso, o meu setor de atividade, o espaço, é internacional por natureza, pois quase todos os projetos são o resultado da cooperação entre diversos países e empresas internacionais. Sempre foi natural trabalhar com colegas de toda a Europa e também com empresas de outros continentes.
Mais tarde, quando mudei para o setor público, para trabalhar na agência da União Europeia para o Programa Espacial, a coordenação com as autoridades portuguesas – em Portugal e em Bruxelas – foi e continua a ser fundamental no dia a dia.
3. Que obstáculos teve de superar e como o fez?
O maior obstáculo – mas também a maior oportunidade – que tive de superar na minha carreira foi a necessidade constante de mobilidade entre cidades e países da União Europeia. Como construí a minha carreira a nível europeu, acabei por mudar de cidade e país com alguma frequência. Esta itinerância tem vantagens e desvantagens, do ponto de vista pessoal e profissional. Do ponto de vista pessoal e familiar, sempre tive o apoio da minha família, e por isso esta mobilidade a certa altura tornou-se mais um modo de vida do que propriamente um obstáculo.
4. O que mais admira no pais em que está?
Neste momento, estou na Chéquia, depois de passar pelos Países Baixos, pela Alemanha, pela Itália e pela França. A Chéquia é um país de dimensão semelhante a Portugal, com algumas parecenças, mas também com diferenças significativas: culturais, geográficas e históricas. Do ponto de vista económico, é um grande exportador, sobretudo no setor automóvel, beneficiando da proximidade geográfica e cultural com outros países do centro da Europa, em particular com a Alemanha. Na Chéquia, admiro, em particular, o dinamismo e empreendedorismo, isto é, a capacidade de adaptação a novas oportunidades, que resulta num forte crescimento económico, num desemprego quase inexistente, e numa desigualdade social muito inferior à maioria dos países da União Europeia.
5. O que mais admira na empresa / organização em que está?
Trabalhar para a União Europeia é contribuir para a construção do projeto europeu, que, por vezes, nos pode parecer distante, mas que está permanentemente presente no nosso dia a dia. Uma parte muito importante da legislação de cada Estado Membro – as “regras do jogo” – é feita ao nível da União Europeia, o que nos torna um bloco económico e social muito relevante no mundo. E isso permite-nos também orientar o desenvolvimento de áreas fundamentais para o futuro da humanidade, em setores tão diversos como o combate às alterações climáticas, a inteligência artificial, as redes sociais, ou a proteção de dados, entre outros.
Dirigir a Agência da União Europeia para o Programa Espacial (EUSPA) significa ter responsabilidades acrescidas na implementação do programa Galileo, o sistema de navegação por satélite mais preciso do mundo, e do programa Copernicus, o sistema de observação da Terra mais completo do mundo. As atividades espaciais da União Europeia trazem vantagens tangíveis à nossa sociedade e à nossa economia, e qualquer cidadão utiliza – talvez sem se aperceber – dados de satélites nas tarefas mais simples: como quando consulta uma previsão meteorológica ou quando usa diariamente o sistema de navegação no carro. Além disso, dada a importância dos dados espaciais para as nossas forças de segurança, por exemplo na gestão de catástrofes naturais ou em emergências, trabalhar na EUSPA é também contribuir para a segurança dos cidadãos da União Europeia.
6. Que recomendaçoes daria a Portugal e aos seus empresarios e gestores?
Sem dúvida, aproveitar mais – ainda mais – as oportunidades que temos por sermos membros da União Europeia. No meu dia a dia, ainda vejo que podia haver muito mais empresas e empresários portugueses a concorrer diretamente a oportunidades da União Europeia nos mais diversos setores de negócio. Na minha área, o setor espacial, isso é bastante visível, pois apesar de termos já algumas empresas e universidades a concorrer a oportunidades de financiamento, há ainda muito por explorar. Dois bons exemplos para mim são os benefícios que os dados espaciais podem trazer à economia do mar e à gestão do território. Outro aspeto está ligado com o apoio a startups e empreendedores. A União Europeia criou vários incentivos a startups europeias em muitas áreas de negócio – e também a empresas que usam dados espaciais em diferentes sectores. Talvez fosse interessante para os accelerators e incubators estabelecidos em Portugal procurar partenariados com a União Europeia.
Contudo, a oportunidade mais importante é sermos membros de um mercado único que vai de Lisboa a Helsínquia, e que é o maior mercado único do mundo, com cerca de 500 milhões de pessoas. Por estarem sujeitas a regras semelhantes, as empresas portuguesas podem e
devem competir neste mercado, e para isso devem (continuar a) inovar e a aumentar a sua competitividade.
7. Em que setores do país onde vive poderão as empresas portuguesas encontrar clientes?
A economia da Chéquia está muito direcionada para o setor automóvel e de indústria pesada em geral. Tendo Portugal conquistado nos últimos anos um papel relevante neste setor, há oportunidades para fornecedores portugueses com capacidade de inovação e competitividade. Neste momento a Chéquia está a “descobrir” Portugal, pois o número de turistas checos em Portugal tem aumentado continuamente, e neste momento já é bastante significativo. Isto pode criar oportunidades de negócio em muitas áreas para além do turismo, tal como a agricultura e alimentação, o retalho, etc.
8. Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?
Neste momento a Chéquia procura diversificar os seus mercados de exportação. Como Portugal tem laços históricos e linguísticos com África e com a América do Sul, isto pode gerar interesse nos empresários checos de investir em Portugal.
9. Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?
Na minha opinião, a grande vantagem competitiva da Chéquia é, sem dúvida, a vocação exportadora de toda a sua economia, seja na área dos serviços ou da indústria. Julgo que foi esta aposta na exportação, em conjunto com os elevados níveis de educação, que permitiram um crescimento económico invejável nas últimas duas décadas. Por exemplo, a Chéquia é dos poucos países no mundo que tem uma balança comercial positiva com a Alemanha, pois exporta mais que o que importa deste importante mercado. Tendo o mercado intraeuropeu como principal cliente, a Chéquia beneficiou significativamente da adesão à União Europeia em 2004 – de tal forma que, provavelmente, em breve, vai passar de país recebedor para país pagador no quadro da União.
10. Pensa voltar para Portugal? Porquê?
Volto a Portugal com alguma regularidade, mas sempre por pouco tempo, de visita. Com certeza que penso voltar a Portugal definitivamente, mas não para já, pois ainda tenho muito que fazer no meu cargo atual. Por isso, neste momento a minha contribuição é feita à distância.