No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Catarina dos Santos-Wintz, Deputada ao Parlamento Federal Alemão, e Conselheira do Núcleo Regional da Europa Ocidental foi entrevistada para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1- O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
Os meus pais conheceram-se e viveram juntos em Portugal nos anos 80 – a minha mãe é portuguesa e o meu pai é alemão. Depois de eu ter nascido, decidiram mudar-se para a Alemanha. A primeira cidade onde vivemos foi Aachen – no extremo oeste da Alemanha. Como chegámos lá em agosto de 1994, não tenho recordações da mudança. No entanto, falava frequentemente com a minha mãe sobre a sua experiência nessa altura. Depois disso, voltámos a Portugal regularmente todos os anos, sobretudo no verão, claro, mas também, em alguns anos, no Natal, na Páscoa ou noutros feriados para visitar a família. Mais tarde, também trabalhei e vivi em Lisboa durante alguns meses.
2- QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUES?
Como nasci em Lisboa e cresci na Alemanha, é um grande privilégio para mim ter vivido entre duas culturas. Falo as duas línguas e conheço as duas mentalidades. Identifico-me tanto com a minha identidade portuguesa como com a minha identidade alemã, porque ambas as culturas tiveram uma grande influência na minha vida, e sinto-me muito ligada a ambos os países. Por isso, vejo uma vantagem em ser portuguesa e alemã, no sentido em que, apesar de algumas diferenças, vejo sempre os pontos em comum e o valor das diferentes culturas. Podemos aprender mais uns com os outros se estivermos abertos a coisas novas e interessados. Esta é também uma forma de viver a Europa. Para além disso, a imagem dos portugueses na Alemanha é muito positiva.
3- QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
Como cresci na Alemanha, posso referir poucos obstáculos que tenham a ver com o facto de também ser portuguesa. Claro que, em criança, me perguntavam muitas vezes sobre as minhas origens, em parte por causa do meu apelido. Também me lembro de muitos comentários do género: “Mas falas bem o alemão”. E tenho a certeza de que muitas pessoas que cresceram entre dois países conhecem o obstáculo (sentido) de querer descobrir o papel que cada país desempenha na sua própria identidade. No entanto, com o tempo, aprendi a ver estas duas partes não como um obstáculo, mas como um enriquecimento. Dá-me a oportunidade de compreender diferentes perspetivas e combinar ambas culturas. No entanto, é um processo em que nos questionamos constantemente e tentamos encontrar um equilíbrio entre os dois mundos.
4- O QUE MAIS ADMIRA NO PAIS EM QUE ESTÁ?
A Alemanha é um país que está sempre a reinventar-se. Este ano comemoramos dois aniversários muito especiais: a República Federal da Alemanha faz 75 anos. Em 7 de setembro de 1949, foi constituído em Bona o primeiro Bundestag alemão. 50 anos mais tarde, o Parlamento da Alemanha reunificada mudou-se para Berlim. Nestes 75 anos, o país passou por várias mudanças sociais, tomou decisões importantes, festejou e chorou em conjunto. Penso que na Alemanha temos um certo pragmatismo e uma abordagem descontraída para fazer as coisas. Certamente também um certo amor pelos pormenores. Sinto-o sobretudo nas muitas visitas que faço a empresas e organizações do meu círculo eleitoral. Existe aqui uma enorme quantidade de trabalho árduo, conhecimentos e potencial, o que é encorajador face aos muitos desafios que enfrentamos como sociedade.
5- O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
Ser deputada do Parlamento Federal alemão não é um trabalho normal. É uma grande responsabilidade, mas também um privilégio representar os interesses das pessoas do meu círculo eleitoral em Berlim e poder contribuir para o futuro da Alemanha. É claro que as engrenagens da política giram lentamente e os debates são por vezes duros e cansativos, mas estou bem ciente da honra que é poder contribuir com as minhas ideias sobre o futuro da Alemanha para a alta casa da democracia. Se eu puder contribuir para influenciar positivamente, mesmo que seja uma pequena peça, e trazer algo de bom para o povo da Alemanha, isso é algo que me deixa feliz e orgulhosa. De resto, isto também se aplica aos portugueses que vivem na Alemanha. Sinto-me também responsável por eles e pelas suas preocupações.
6- QUE RECOMENDAÇOES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESARIOS E GESTORES?
Acredito que as pessoas, também nas empresas, sabem exatamente o que podem fazer e o que precisam. A nossa tarefa enquanto políticos é criar as condições de enquadramento corretas. Para tal, é essencial que eu continue a dialogar e a ouvir onde é que o sapato aperta. Por isso, só posso encorajar as pessoas a falarem com os responsáveis e, acima de tudo, a aproveitarem as oportunidades, a tomarem decisões e a serem otimistas. Só através de um diálogo aberto poderemos prestar um apoio direcionado e desenvolver em conjunto soluções que satisfaçam os requisitos específicos. Por isso, não posso deixar de encorajar a falar com os responsáveis, a formular claramente as preocupações e, acima de tudo, a aproveitar as oportunidades, a tomar decisões e a ser otimistas. Afinal, a mudança precisa não só de boas ideias, mas também da coragem de as implementar de forma consistente. Juntos, podemos traçar o caminho para um futuro positivo e sustentável.
7- EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
As relações económicas entre a Alemanha e Portugal têm uma longa e rica história. Devido a estas relações e à confiança daí resultante, as empresas portuguesas têm na Alemanha inúmeras oportunidades de angariação de clientes em diversos sectores. Existe um grande interesse em soluções inovadoras, nomeadamente nos domínios da engenharia mecânica e da tecnologia. As empresas e os consumidores alemães apreciam a grande força inovadora dos produtos portugueses, especialmente no domínio das energias renováveis, onde as empresas portuguesas impressionam com projetos interessantes.
8- EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
Por outro lado, as empresas alemãs também podem encontrar oportunidades de investimento em vários sectores em Portugal. Algumas empresas alemãs exercem a sua atividade em Portugal há mais de 100 anos e várias empresas de renome mantêm instalações de produção em Portugal há décadas. Também nos domínios da engenharia mecânica e da tecnologia, vejo um grande potencial de desenvolvimento. O sector das energias renováveis é particularmente notável aqui, uma vez que o progresso de Portugal na energia solar e eólica, bem como na economia circular, oferece inúmeras oportunidades de cooperação. Além disso, a expansão da infraestrutura digital e a promoção de start-ups em Portugal oferecem perspetivas atrativas para os investidores alemães.
9- QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
Do ponto de vista alemão, Portugal pode beneficiar da força competitiva da Alemanha em áreas como a Indústria 4.0, sistemas de educação (por exemplo, na formação dual) – apesar de a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã, por exemplo, já ter alcançado grande sucesso aqui. A Alemanha caracteriza-se por uma elevada produtividade, uma forte economia de exportação e uma promoção consistente da investigação e desenvolvimento. Em particular, a estreita ligação entre as empresas e a educação poderia ser adaptada em Portugal.
10- PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Para já, tenciono ficar na Alemanha, em parte por causa do meu trabalho. Mas sonho em ter o meu próprio pequeno retiro em Portugal, onde gostaria de passar mais tempo, mais tarde. Se é a famosa casa à beira-mar ou talvez um pequeno apartamento, isso é secundário.