Portugueses que se destacam lá fora ajudam a descobrir onde estão as oportunidades de negócio e que tipo de empresas e atividades o país pode atrair. Uma iniciativa que junta o Negócios e o Conselho da Diáspora Portuguesa.
1- O que o levou a sair de Portugal?
Como quase tudo na vida, um misto indesvendável de circunstâncias e vontade: as circunstâncias de uma oportunidade académica e depois profissional “puxaram”; a vontade de explorar outros mundos “empurrou”.
É possível que haja algo de karma também porque o meu pai viveu e trabalhou no Canadá durante muitos anos, e, inclusivamente, naturalizou-se canadiano.
2- Que vantagens ou desvantagens lhe trouxe o facto de ser português?
Tive a sorte de estar em países abertos culturalmente, para quem a nacionalidade, etnia ou bagagem cultural são pouco relevantes. Em geral, quando foi relevante, nunca senti que ser português fosse uma desvantagem: sermos “pequenos” geograficamente gera poucas rivalidades ou preconceitos; sermos “grandes” historicamente gera interesse genuíno e motivo de diálogo. Confesso que o CR7 ajudou a desbloquear muitas conversas…
3- Que obstáculos teve de superar e como o fez?
Os principais foram os choques culturais, primeiro com os Estados Unidos, depois com o México. O tempo, os erros autoinfligidos e a ajuda e paciência dos que tive a sorte de conhecer nesses países encarregaram-se de ajudar a assimilar as formas de pensar e atuar nesses países. Ter mentores locais que invistam tempo em nós faz muita diferença nestes processos de integração cultural.
Há uma palavra em português que não tem tradução direta para outras línguas (não é “saudade”!) e que penso que nos define: “desenrascados”. Essa habilidade que temos, sem dúvida, também me ajudou muito. O primeiro humano em Marte devia ser português…
4- O que mais admira no país onde está?
Admiro muito a resiliência dos mexicanos: apesar de todos os desafios duma economia emergente com instituições ainda frágeis e de uma crise recente de insegurança e violência, forçada por uma batalha inglória contra o tráfico ilegal de estupefacientes, este povo mantém um otimismo e um sorriso contagiantes.
Por outro lado, penso que o México oferece grandes oportunidades em muitos setores. É um país rico em recursos, com uma localização geopolítica e cultura de trabalho invejáveis, que nos últimos 20 anos se abriu ao mundo (é hoje o país com mais tratados comerciais do mundo) e que está em franco crescimento. As condições macroeconómicas são altamente favoráveis: um misto de crescimento com pouca dívida e inflação controlada – é difícil encontrar um país que ofereça esse trinómio. O desafio é executar.
Finalmente, penso que o México oferece uma combinação interessante entre cultura laboral norte-americana e um estilo de vida pessoal “latino”. Profissionalmente, pode-se crescer muito e escalar o impacto do que fazemos, sem perder o balanço com uma vida enriquecedora pessoal, cultural e socialmente.
5- O que mais admira na empresa ou organização onde está?
Como cofundador, prefiro não responder – elogio em boca própria cheira a vitupério. O que poderei dizer é que o meu sócio e eu procuramos diariamente desafiar o “status quo” e criar essa inconformidade permanente no nosso “chip” corporativo. Isso gera alguma fricção interna e externa, e há quem tenha mais dificuldade em conviver com ela – mas os que têm “asas para voar” podem voar o mais alto que queiram.
Antes da minha atual etapa de empreendedorismo, trabalhei em duas empresas internacionais que me ensinaram muito. A Boston Consulting Group (BCG), em cujo escritório de Lisboa iniciei a minha carreira profissional, foi uma verdadeira escola de formulação de estratégia de negócios, e cada ano que trabalhei aí correspondeu a dez anos de experiência – tendo tido oportunidade de trabalhar em múltiplas indústrias e continentes. Com a Goldman Sachs, a aprendizagem continuou, permitindo maior especialização em “private equity” e em infraestruturas, com um maior enfoque em financiamento, implementação e resultados. Ambas as empresas me deram oportunidade de conviver com pessoas extraordinárias que me desafiavam todos os dias e que alicerçaram uma ética de trabalho e um trabalho com ética que procuro todos os dias transmitir a todos com quem trabalho.
6- Que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores?
Nunca duvidem do que são capazes de fazer lá fora. Mas não basta ambição, é preciso “arregaçar as mangas” e estar nas trincheiras, sobretudo numa etapa inicial.
Para o caso específico do México, a minha recomendação para os empresários portugueses seria investir tempo em entender bem as oportunidades e ameaças, e em criar raízes locais que permitam ter uma presença sustentável. Costuma-se dizer que o diabo está nos detalhes, e no México mais do que noutras partes. As relações são também muito importantes e relativamente fáceis de construir. Os frutos não serão imediatos, mas serão abundantes.
7- Em que setores do país onde vive poderiam as empresas portuguesas encontrar clientes?
Tecnologia e telecomunicações, serviços financeiros, infraestruturas e energia são indústrias de que o futuro do México depende e em que Portugal manifestamente pode diferenciar-se competitivamente. Por exemplo, “nuestros hermanos” têm uma presença enorme no setor financeiro mexicano, e para bancos como o BBVA ou o Santander o México é o principal e mais interessante mercado internacional, não só pelas perspetivas que o país oferece, mas também pelas ameaças que a indústria vive na Europa. Outro exemplo seria o setor de infraestruturas, onde historicamente as construtoras (como a OHL, a Isolux ou a Aldesa) espanholas e operadores de infraestruturas (como a Abertis) têm uma história de êxito no México. Tirando a Mota-engil, a presença portuguesa sempre foi muito limitada.
Dito isto, o México é dos países comercialmente mais abertos do mundo e qualquer nicho com vantagens competitivas pode ser internacionalizado para terras astecas. Sabemos algumas coisas de vinhos, e no México trata-se de um setor emergente à procura de melhorar padrões de qualidade e escala. Porque não há uma loja da Vista Alegre no México?
8- Em que setores de Portugal poderiam as empresas do país onde vive querer investir?
A presença internacional do México fica-se muito pela exportação, pela dimensão e atrativo do mercado interno e pelo alto custo do capital que limita investimentos mais agressivos no exterior. Mas apesar de ser dos maiores exportadores do mundo, o México está sub-representado na Europa e sobretudo em Portugal. Por exemplo, bebidas destiladas como o tequila ou o mezcal têm uma presença internacional que não se observa em Portugal.
Há também setores como materiais de construção (ex.: Cemex), produtos químicos (ex.: Mexichem) e alimentos e bebidas (ex.: Alsea), em que as multinacionais mexicanas se destacam e que são indústrias passíveis de ter uma presença operacional internacional.
9- Qual a vantagem competitiva do país em que vive que poderia ser replicada em Portugal?
A principal vantagem competitiva replicável do México é a produtividade da mão de obra, que é das mais altas do mundo. Apesar de um sistema educativo com muitas debilidades, essa produtividade existe graças primordialmente a uma cultura e disciplina de trabalho que só tem paralelo na China e nos EUA, e que nos remete para a resiliência de que falava antes.
Em termos de governo, e apesar das dificuldades de um país emergente, a administração federal evita a burocracia e cria incentivos fiscais para o investimento. Os mandatos do poder executivo são de seis anos, um horizonte temporal que permite conceptualizar e implementar reformas estruturais e avaliar resultados. Como resultado de crises históricas, o país desenvolveu e aperfeiçoou instituições muito fortes e com bastante autonomia, como a “Secretaria de Hacienda y Crédito Público” e o “Banco de México”, que garantem uma disciplina fiscal e monetária que causaria inveja à maior parte das economias avançadas e que explicam um nível de endividamento muito baixo (a dívida pública é menos de 50% do PIB, o que para um país em crescimento é bastante sustentável) e uma inflação controlada. Finalmente, a política é pouco ideológica e mais pragmática, o que resulta numa maior convergência entre partidos e níveis de governo (federal, estadual e municipal), bem como numa maior continuidade intra e interadministrações.
10- Pensa voltar a Portugal? Porquê?
É uma questão de tempo para que as circunstâncias se deem; a vontade nunca partiu.
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