No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Paula Bernardino, Presidente do Conselho de Administração da Caixa Portuguesa Desjardins, Professora na McGill University, e Conselheira do Núcleo Regional do Canadá foi entrevistada para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1- O QUE O LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
No meu caso, não saí de Portugal pois nasci em Montreal, Canadá, de pais portugueses que me deram a cidadania portuguesa. Frequentei a escola portuguesa aos sábados, do 1º ao 11º ano, e estive sempre implicada em atividades na comunidade em Montreal. Participei na primeira edição da semana dos luso-descendentes, em Lisboa, em 1999, e fiz um estágio de três meses no Instituto Português do Desporto e Juventude, em 2000. Também fui locutora na rádio de língua portuguesa e jornalista num jornal português na comunidade portuguesa em Montreal.
2- QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUES?
Nos últimos anos, Portugal está na moda onde vivo – em Montreal. Tenho notado o aumento do turismo de canadianos para Portugal. Vários turistas pedem-me sugestões para quando preparam a viagem. O facto de falar português também me tem ajudado quando trabalho em eventos de vinhos portugueses, por exemplo. Posso ajudar a ligação, conexão, com os enólogos que vêm de Portugal e os representantes canadianos.
3- QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
Represento aquela geração que nasceu no país de acolhimento de pais portugueses e que cresceu com o papel, a responsabilidade, de ajudar na transição e integração. Por vezes, tínhamos a impressão de que vivíamos uma dualidade: a vida na semana, na escola canadiana, em inglês ou francês; e o fim de semana, com a escola portuguesa ao sábado e a catequese ao domingo.
4- O QUE MAIS ADMIRA NO PAIS EM QUE ESTÁ?
A grande dimensão geográfica do país, com cada província com as suas preocupações e vantagens e tendo setores para as suas próprias decisões autónomas. Também a presença quase centenária de membros da imigração europeia, por exemplo da Polónia, Grécia, Itália e Portugal, que está bem integrada na sociedade canadiana. Em 2023, cumpriram-se 70 anos de imigração portuguesa no Canadá e é um prazer ver portugueses e luso-descentes bem sucedidos em vários setores da sociedade canadiana, seja a nível político, seja a nível da saúde, educação, restauração, ou cultura, para citar alguns.
5- O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
Como professora no programa de gestão de relações-públicas na universidade McGill, admiro a excelência académica, pois é uma instituição com uma reputação global constantemente classificada entre as melhores universidades do mundo e é considerada uma das melhores instituições do Canadá. Tem programas de renome e as suas faculdades, particularmente em medicina, direito, engenharia e gestão, são altamente respeitadas mundialmente. O seu ambiente multicultural também é de admirar: localizada em Montreal, a McGill atrai estudantes de mais de 150 países, promovendo uma cultura verdadeiramente diversificada e inclusiva. O ambiente bilingue de Montreal (inglês e francês) oferece uma experiência cultural e linguística única.
Já na universidade d’Otava onde sou instrutora no Instituto de Desenvolvimento Profissional, a instituição está localizada na capital do Canadá e beneficia da vantagem de ser bilingue: a universidade d’Otava é a maior universidade bilingue do mundo, oferecendo programas em inglês e francês. A sua localização estratégica também é um aspeto importante porque tem a vantagem de estar na capital do país, Otava, o centro político e cultural do Canadá. Esta situação oferece aos estudantes oportunidades únicas de estagiar, fazer contatos e trabalhar com agências governamentais, ONGs e organizações internacionais.
Finalmente, na cooperativa Desjardins, onde sou presidente do Conselho de administração da Caixa Portuguesa Desjardins, admiro os valores cooperativos e a abordagem centrada nos respetivos membros. Ao contrário dos bancos tradicionais, a Desjardins pertence e é controlada pelos seus membros, que beneficiam diretamente do seu sucesso financeiro. Esta estrutura garante que as decisões dão prioridade às necessidades dos membros e não aos acionistas externos. Isso fortalece uma grande relação de proximidade entre as Caixas e os membros da comunidade onde as mesmas operam.
6- QUE RECOMENDAÇOES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESARIOS E GESTORES?
Portugal, com a sua rica história, localização estratégica e mão de obra qualificada, tem um potencial significativo de crescimento e inovação – algo que já vem sendo observado nos últimos anos. Para os empresários e gestores portugueses, há que desenvolver ligações e criar câmaras de comércio com mercados onde exista uma grande quantidade de luso-descendentes. Há que manter a confiança no que se está a fazer em Portugal e aproveitar que o país está na moda, com uma grande popularidade, para avançar com mais projetos e parcerias.
7- EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
Eis alguns sectores-chave onde acho que as empresas portuguesas podem prosperar no Canadá:
– Construção e infraestruturas: O Canadá tem uma procura contínua de competências no desenvolvimento de infraestruturas, particularmente em grandes cidades como Toronto, Vancouver e Montreal. A forte reputação de Portugal no sector da construção, nomeadamente em áreas como os edifícios energeticamente eficientes, e a cerâmica ou azulejos de alta qualidade, está em sintonia com esta procura.
– Energias renováveis e tecnologias limpas: O Canadá está empenhado em atingir emissões net-zero até 2050, criando uma procura de soluções inovadoras nos domínios da energia solar, eólica e do armazenamento de energia. As competências portuguesas no domínio das energias renováveis, especialmente a energia eólica e solar, posicionam as suas empresas como parceiros valiosos, por exemplo para parques eólicos offshore, tecnologia de painéis solares e sistemas de eficiência energética.
– Agroalimentar: O Canadá valoriza alimentos e bebidas importados de alta qualidade; e os produtos portugueses como o vinho (Porto, Vinho Verde, DOC), o azeite, o marisco e os queijos especiais são bem vistos. A crescente procura dos consumidores por alimentos orgânicos e de origem sustentável alinha-se com as práticas agrícolas de Portugal. Lojas de produtos alimentares gourmet, grandes retalhistas e o crescente sector da hotelaria são clientes potenciais.
8- EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
Eis, quanto a mim, alguns dos principais setores onde as empresas canadianas podem encontrar oportunidades de investimento em Portugal:
– Energias renováveis e tecnologias verdes: Portugal é líder em energias renováveis, com um potencial significativo de crescimento nos sectores da energia solar, eólica e das ondas. As empresas canadianas podem investir em projetos de energia limpa ou estabelecer parcerias com empresas portuguesas com soluções energéticas inovadoras.
– Tecnologia e inovação: O crescente ecossistema tecnológico de Portugal, apoiado por iniciativas como a Lisbon Web Summit e os centros tecnológicos apoiados pelo governo, torna-o um local atrativo para as empresas tecnológicas canadianas. Áreas como a inteligência artificial (IA), as fintech e a cibersegurança oferecem um potencial significativo.
– Agroalimentar: O investimento em agricultura sustentável, aquacultura e agricultura biológica pode ajudar a satisfazer a procura crescente de produtos alimentares de alta qualidade e amigos do ambiente. A indústria vinícola de Portugal, incluindo regiões como o Douro, a Beira Interior, o Tejo e o Alentejo, oferece oportunidades de colaboração e exportação.
– Educação e formação: As universidades e instituições de formação canadianas podem investir em parcerias com instituições portuguesas para oferecer programas conjuntos, iniciativas de investigação e oportunidades de intercâmbio de estudantes.
9- QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
A grande dimensão geográfica do Canadá tem várias vantagens competitivas que contribuem para o seu sucesso em vários sectores: ecossistema de inovação e tecnologia, energias renováveis, multiculturalismo, setor financeiro, instituições de ensino e investigação de nível mundial, relações comerciais estratégicas fortes e acordos de comércio livre, recursos naturais e desenvolvimento sustentável.
10- PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
O objetivo é um dia passar mais tempo durante o ano em Portugal. O inverno no Canadá é difícil.