No âmbito da parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e o Negócios, Nancy Gonçalves advogada e notária pública, diretora-fundadora da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Canadá, e Conselheira do Núcleo Regional do Canadá foi entrevistada para o Jornal de Negócios, onde abordou o seu percurso profissional e identificou oportunidades competitivas para Portugal, a sua economia, empresas e empresários em geral.
1- O QUE A LEVOU A SAIR DE PORTUGAL?
A vontade dos portugueses levou-os, desde longa data, aos quatro cantos do mundo. Tal como muitos concidadãos, os meus pais decidiram emigrar antes da Revolução de Abril, à procura de construir um futuro melhor – algo que, outrora, Portugal não lhes podia proporcionar. A vontade de mudança e o espírito de aventura trouxe-os até ao centro do Canadá e, foi aqui, na Cidade de Winnipeg, Manitoba, que nasci. No entanto, já estou bastante acostumada a perguntarem-me há quanto tempo é que emigrei. Gostaria de acrescentar que sou orgulhosamente portuguesa, por laços biológicos, históricos, culturais e profissionais.
2- QUE VANTAGENS OU DESVANTAGENS LHE TROUXE O FACTO DE SER PORTUGUESA?
Tenho família e amigos espalhados pelo mundo e, por essa razão, tenho tido oportunidade de conhecer outras culturas e testemunhar que ser português é um verdadeiro privilégio. A diáspora portuguesa é a maior prova de equilíbrio entre a integração na sociedade que nos acolhe, com a preservação da língua e cultura portuguesa fora do país que nos viu nascer. Por essa razão, não sinto qualquer tipo de desvantagem pelo facto de ser luso-descendente: muito pelo contrário. Acredito que isso se deva à presença portuguesa datada da Era dos Descobrimentos, mesmo antes da fundação do Canadá. A forte relação histórica entre os dois países é marcada por profundos laços de amizade e de cooperação e está evidenciada nos nomes de origem portuguesa em vários locais da costa atlântica, concretamente na Terra Nova, onde os portugueses pescaram durante cerca de 5 séculos. Para além disso, Portugal e o Canadá são membros fundadores da NATO, em 1952 estabeleceram Relações Diplomáticas e no ano seguinte, a 13 de maio, chegaram ao porto de Halifax os pioneiros portugueses, aqueles que constituíram a imigração oficial para o Canadá. Vieram para trabalhar na construção civil, limpeza, agricultura, pecuária, pesca, indústria e caminho-de-ferro, através do qual se dispersaram. Os portugueses destacam-se pelo seu dinamismo, espírito de sacrifício, ou dedicação ao trabalho e, por essa razão, são um exemplo de sucesso. Eu costumo dizer que ser português é ser dono da vontade de vencer.
3- QUE OBSTÁCULOS TEVE DE SUPERAR E COMO O FEZ?
Nasci, vivo e trabalho num país multiculturalista, que mesmo antes da data da sua fundação recebeu outros povos. Na Província onde nasci e vivo são falados diariamente mais de cem idiomas e por essa razão cultiva-se o respeito pela diversidade, igualdade de direitos e inclusão social. Por isso, é notável o compromisso das autoridades governamentais e das entidades patronais em integrarem os recém-chegados. Saliento que os governos têm dado, ao longo das várias ondas de imigração, particular atenção a estes assuntos, bem como a temas laborais, promovendo, em vários idiomas, vastas campanhas informativas e de consciencialização nas áreas da saúde, educação, higiene e segurança no trabalho. Por exemplo, destaco a possibilidade de realização do Exame de Código da Estrada nesta Província num dos trinta idiomas disponíveis, entre os quais a língua portuguesa. Neste contexto, há uma maior facilidade em enfrentar qualquer obstáculo.
4- O QUE MAIS ADMIRA NO PAÍS EM QUE ESTÁ?
O Canadá geograficamente é o segundo maior país do mundo, com vastos recursos naturais, paisagens deslumbrantes, uma economia diversificada e um povo acolhedor e afável. É um país seguro, onde as pessoas gozam de uma grande qualidade de vida, sendo o seu custo bastante sustentável, particularmente nesta Província. Ao longo dos tempos, houve várias ondas de imigração, nomeadamente europeia, que vieram ajudar a preencher a falta de mão-de-obra qualificada, aproveitando as oportunidades que lhe apareciam. Dito isto, devo dizer que uma das coisas que mais admiro no Canadá é o incentivo à formação superior, algo que conduz a uma ampla oferta de serviços de profissionais altamente preparados para enfrentar qualquer necessidade. Admiro também as políticas e práticas de conservação ambiental, a agricultura sustentável, a investigação nas áreas da saúde e nuclear, o investimento na inovação, bem como a celeridade e eficácia do sistema de justiça. Nos últimos anos, tem havido um expressivo aumento da participação do género feminino nos sectores sociopolítico, educativo, jurídico e em cargos de gestão, o que é visto como um avanço significativo. Destaca-se também a particular atenção que os governos têm dado aos assuntos relacionados com os povos indígenas, num espírito de verdade e reconciliação. Todos estes fatores demonstram, inequivocamente, o empenho na promoção da integração social, a sustentação de uma estrutura organizada, estável e uma economia promissora, apesar das grandes incertezas que se vivem atualmente, nomeadamente a ameaça da revogação do acordo de comércio USMCA (antigo NAFTA).
5- O QUE MAIS ADMIRA NA EMPRESA / ORGANIZAÇÃO EM QUE ESTÁ?
Sou advogada e notária pública por vocação e, por amor a Portugal, tenho exercido vários cargos de natureza voluntária. Como luso-descendente, digo que nos devemos manter fiéis às nossas raízes e sermos impulsionadores de soluções. O nosso exemplo e contributo devem estar sempre imbuídos de um espírito participativo, de total cooperação e confiança com quem nos relacionamos. Por isso, acredito que a valorização do capital humano é essencial para o funcionamento e desenvolvimento de qualquer organização.
6- QUE RECOMENDAÇÕES DARIA A PORTUGAL E AOS SEUS EMPRESÁRIOS E GESTORES?
A Portugal, uma maior celeridade e eficácia no sistema de justiça e a redução burocrática e entraves inerentes. A criação de redes estratégicas, sendo o investimento na tecnologia e inovação indispensáveis para manter a competitividade a longo prazo. Para as empresas se posicionarem eficazmente, devem ser sustentáveis e ter como prioridade a valorização do capital humano. Aos trabalhadores, devem ser criadas condições favoráveis para uma vida profissional e pessoal equilibrada. Devem dedicar particular atenção ao seu bem-estar físico e mental, algo que considero indispensável para o aumento da sua capacidade produtiva.
7- EM QUE SETORES DO PAÍS ONDE VIVE PODERÃO AS EMPRESAS PORTUGUESAS ENCONTRAR CLIENTES?
Portugal une-se através do Atlântico a várias nações, inclusive ao Canadá, país que na outra costa se une a uma outra parte do mundo através do Pacífico. Acredito, portanto, que poderão encontrar não só clientes, mas também investir nos sectores logístico, agrícola, pesca, aquacultura, energético, exploração de recursos minerais, indústria e serviços. Estas áreas poderão ser muito atrativas, tendo em consideração as várias opções disponíveis, a vasta dimensão geográfica do país, bem como a possibilidade de expansão para outros mercados. Gostaria ainda de salientar que o Canadá é um país com bastante mão-de-obra qualificada, com elevados incentivos e muito recetivo ao investimento estrangeiro.
Caso sejam aplicadas as tarifas por parte dos EUA, vejo um enorme potencial de investimento no porto de Churchill, cidade localizada a cerca de 1000 quilómetros de Winnipeg, na Baía de Hudson, conectada ao Oceano Atlântico.
Relativamente à minha área de formação, gostaria de acrescentar que é um país com um nível burocrático bastante acessível e possui um sistema de justiça eficiente.
8- EM QUE SETORES DE PORTUGAL PODERIAM AS EMPRESAS DO PAÍS ONDE ESTÁ QUERER INVESTIR?
Portugal é um país altamente competitivo, no qual se destaca a mão-de-obra qualificada, a capacidade de inovação, a competitividade de custos e a fiável infraestrutura. Como resultado da combinação destes fatores, obtém-se um produto de elevada qualidade para mercados internacionais, cada vez mais exigentes. No entanto, a credibilização de um produto produzido em Portugal, e a qualidade associada ao mesmo, é sem dúvida um dos fatores mais apelativos para qualquer investidor. Nos últimos anos, tenho visto empresas canadianas investirem nos sectores do retalho, comércio, têxtil, minas, imobiliário, hotelaria, turismo, tecnológico (nomeadamente, na cibersegurança e inteligência artificial). Contudo, acredito que ainda há espaço para alargar tais investimentos aos sectores da agricultura, energias renováveis, aeronáutico (civil e defesa) e saúde. Vivemos num mundo globalizado e por isso urge criar sinergias, explorar novas oportunidades, exportar para outros mercados, beneficiando dos ambiciosos acordos de comércio livre existentes, nomeadamente entre o Canadá e a Europa.
9- QUAL A VANTAGEM COMPETITIVA DO PAÍS EM QUE ESTÁ QUE PODERIA SER REPLICADA EM PORTUGAL?
Sem dúvida os níveis de produtividade e as alianças estratégicas existentes entre empresas, que são indispensáveis para a sua afirmação e sustentabilidade. Gostaria de destacar que no ano passado foi lançada em Portugal a Câmara de Comércio Canadá-Portugal, no dia 1 de julho, dia do Canadá. Este ano está previsto o lançamento da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Canadá. Acredito que estas organizações têm um papel fundamental na criação de eventos, no fortalecimento de relações e na promoção das atividades dos seus associados.
10- PENSA VOLTAR PARA PORTUGAL? PORQUÊ?
Sempre que me perguntam se penso voltar para Portugal, respondo, sem qualquer hesitação, que gostaria muito de regressar às minhas origens. É lá que vive grande parte dos meus familiares e onde também tenho casa. Além disso, nos últimos anos, tenho lá investido e empreendido negócios, pelo que gostaria de os acompanhar de perto. No entanto, estou de igual modo comprometida com a vocação que escolhi para profissão e espero continuar a contribuir para as atividades da diáspora em que estou inserida.